Diz-se “meter uma lança em África” como sinónimo de vencer uma grande dificuldade. Pois bem: há dias, a lança virou-se, directamente de África, contra o “lançador”.
Em extenso editorial, o Jornal de Angola escreveu o seguinte: “Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via popular. Do ‘português tabeliónico’ aos nossos dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas.
Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam as preciosidades.” E mais adiante: “Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse acentos ou consoantes mudas. O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula.”
E a findar: “O português falado em Angola tem características específicas e varia de província para província. Tem uma beleza única e uma riqueza inestimável para os angolanos mas também para todos os falantes. Tal como o português que é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem características únicas. Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço da CPLP. A escrita é ‘contaminada’ pela linguagem coloquial, mas as regras
gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma grafia, não é aceitável que através de um qualquer acordo ela seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras.” Ouviram, discípulos de Malaca & Bechara?
Se lhes parece mal, por vir de africanos, então ouçam lá um brasileiro:
“O acordo ortográfico é um aleijão.
Linguisticamente malfeito, politicamente mal pensado, socialmente mal justificado e finalmente mal implementado.
Foi conduzido, aqui no Brasil, de modo palaciano: a universidade não foi consultada, nem teve participação nos debates (se é que houve debates além dos que talvez ocorram durante o chá da tarde na Academia Brasileira de Letras)”. Mais: “A ortografia brasileira não será igual à portuguesa. Nem mesmo, agora, a ortografia em cada um dos países será unificada, pois a possibilidade de grafias duplas permite inclusive a construção de híbridos.” E agora o tal “difícil comércio das palavras”: “Nem vale a pena referir mais uma vez o custo social de tal negócio: treinamento de docentes, obsolescência súbita de material didáctico adquirido pelas famílias, adequação de programas de computador, cursos necessários para aprender as abstrusas regras do hífen e outras miuçalhas.”
Assim fala Paulo Franchetti, crítico literário, escritor e professor titular da Universidade Estadual de Campinas, em entrevista ao blogue Tantas Páginas.
Foi você que pediu um acordo ortográfico? Não? Então descubra quem o encomendou.
Os angolanos e os brasileiros já sabem.
Daí estas lanças, tão hábeis e certeiras.
Em extenso editorial, o Jornal de Angola escreveu o seguinte: “Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via popular. Do ‘português tabeliónico’ aos nossos dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas.
Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam as preciosidades.” E mais adiante: “Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse acentos ou consoantes mudas. O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula.”
E a findar: “O português falado em Angola tem características específicas e varia de província para província. Tem uma beleza única e uma riqueza inestimável para os angolanos mas também para todos os falantes. Tal como o português que é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem características únicas. Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço da CPLP. A escrita é ‘contaminada’ pela linguagem coloquial, mas as regras
gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma grafia, não é aceitável que através de um qualquer acordo ela seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras.” Ouviram, discípulos de Malaca & Bechara?
Se lhes parece mal, por vir de africanos, então ouçam lá um brasileiro:
“O acordo ortográfico é um aleijão.
Linguisticamente malfeito, politicamente mal pensado, socialmente mal justificado e finalmente mal implementado.
Foi conduzido, aqui no Brasil, de modo palaciano: a universidade não foi consultada, nem teve participação nos debates (se é que houve debates além dos que talvez ocorram durante o chá da tarde na Academia Brasileira de Letras)”. Mais: “A ortografia brasileira não será igual à portuguesa. Nem mesmo, agora, a ortografia em cada um dos países será unificada, pois a possibilidade de grafias duplas permite inclusive a construção de híbridos.” E agora o tal “difícil comércio das palavras”: “Nem vale a pena referir mais uma vez o custo social de tal negócio: treinamento de docentes, obsolescência súbita de material didáctico adquirido pelas famílias, adequação de programas de computador, cursos necessários para aprender as abstrusas regras do hífen e outras miuçalhas.”
Assim fala Paulo Franchetti, crítico literário, escritor e professor titular da Universidade Estadual de Campinas, em entrevista ao blogue Tantas Páginas.
Foi você que pediu um acordo ortográfico? Não? Então descubra quem o encomendou.
Os angolanos e os brasileiros já sabem.
Daí estas lanças, tão hábeis e certeiras.
Nuno Pacheco (jornalista) em Público