mercredi 28 décembre 2011

A trapeira do Job

Isto que eu vou dizer vai parecer ridículo a muita gente.
Mas houve um tempo em que as pessoas se lembravam ainda, da época da infância, da primeira caneta de tinta permanente, da primeira bicicleta, da idade adulta, das vezes em que se comia fora, do primeiro frigorífico e do primeiro televisor, do primeiro rádio, de quando tinham ido ao estrangeiro.
Houve um tempo em que, nos lares, se aproveitava para a refeição seguinte o sobejante da refeição anterior, em que, com ovos mexidos e a carne ou peixe restante se fazia "roupa velha". Tempos em que as camisas iam a mudar o colarinho e os punhos do avesso, assim como os casacos, e se tingia a roupa usada, tempos em que se punham meias solas com protectores. Tempos em que ao mudar-se de sala se apagava a luz, tempos em que se guardava o "fatinho de ver a Deus e à sua Joana".
E não era só no Portugal da mesquinhez salazarista. Na Inglaterra dos Lordes, na França dos Luíses, a regra era esta. Em 1945 passava-se fome na Europa, a guerra matara milhões e arrasara tudo quanto a selvajaria humana pode arrasar.
Houve tempos em que se produzia o que se comia e se exportava. Em que o País tinha uma frota de marinha mercante, fábricas, vinhas, searas.
Veio depois o admirável mundo novo do crédito. Os novos pais tinham como filhos, uns pivetes tiranos, exigindo malcriadamente o último modelo de mil e um gadgets e seus consumíveis, porque os filhos dos outros também tinham. Pais que se enforcavam por carrões de brutal cilindrada para os encravarem no lodo do trânsito e mostrarem que tinham aquela extensão motorizada da sua potência genital. Passou a ser tempo de gente em que era questão de pedigree viver no condomínio fechado e sobretudo dizê-lo, em que luxuosas revistas instigavam em couché os feios a serem bonitos, à conta de spas e de marcas, assim se visse a etiqueta, em que a beautiful people era o símbolo de status como a língua nos cães para a sua raça.
Foram anos em que o campo se tornou num imenso ressort de turismo de habitação, as cidades uma festa permanente, entre o coktail party e a rave. Houve quem pensasse até que um dia os serviços seriam o único emprego futuro ou com futuro.
O país que produzia o que comíamos ficou para os labregos dos pais e primos parolos, de quem os citadinos se envergonhavam, salvo quando regressavam à cidade, vindos dos fins de semana com a mala do carro atulhada do que não lhes custara a cavar e, às vezes, nem obrigado.
O país que produzia o que se podia transaccionar esse ficou com o operariado da ferrugem, empacotados como gado em dormitórios e que os víamos chegar, mortos de sono logo à hora de acordarem, as casas verdadeiras bombas relógio de raiva contida, descarregada nos cônjuges, nos filhos, na idiotização que a TV tornou negócio.
Sob o oásis dos edifícios em vidro, miragem de cristal, vivia o mundo subterrâneo de quantos aguentaram isto enquanto puderam, a sub-gente.
Os intelectuais burgueses teorizavam, ganzados de alucinação, que o conceito de classes sociais tinha desaparecido. A teoria geral dos sistemas supunha que o real era apenas uma noção, a teoria da informação substituía os cavalos-força da maquinaria industrial pelosmegabytes de RAM da computação universal. Um dia os computadores tudo fariam, o ser humano tornava-se um acidente no barro de um oleiro velho e tresloucado, que caído do Céu, morrera pregado a dois paus, e que julgava chamar-se Deus, confundindo-se com o seu filho ungénito e mais uma trinitária pomba.
Às tantas os da cidade começaram a notar que não havia portugueses a servir à mesa, porque estávamos a importar brasileiros, que não havia portugueses nas obras, porque estávamos a importar negros e eslavos.
A chegada das lojas dos trezentos já era alarme de que se estava a viver de pexibeque, mas a folia continuava. A essas sucedeu a vaga das lojas chinesas, porque já só havia para comprar «balato». Mas o festim prosseguia e à sexta-feira as filas de trânsito em Lisboa eram o caos e até ao dia quinze os táxis não tinham mãos a medir.
Fora disto, os ricos, os muito ricos, viram chegar os novos ricos. O ganhão alentejano viu sumir o velho latifundário absentista, trocado pelo novo turista absentista com o mesmo monte mais a piscina e seus amigos, intelectuais claro, e sempre pela reforma agrária e vai um uísque de malte, sempre ao lado do povo e já leu o New Yorker?
A agiotagem financeira essa ululava. Viviam do tempo, exploravam o tempo, do tempo que só ao tal Deus pertencia mas, esse, Nietzsche encontrara-o morto em Auschwitz. Veio o crédito ao consumo, a conta-ordenado, veio tudo quanto pudesse ser o ter sem pagar. Porque nenhum banco quer que lhe devolvam o capital mutuado quer é esticar ao máximo o lucro que esse capital rende.
Aguilhoando pela publicidade enganosa os bois, que somos nós todos, os bancos instigavam à compra, ao leasing, ao renting ao seja como for desde que tenha e já, ao cartão, ao descoberto autorizado.
Tudo quanto era vedeta deu a cara, sendo actor, as pernas, sendo futebolista, ou o que vocês sabem, sendo o que vocês adivinham, para aconselhar-nos a ir àquele balcão bancário buscar dinheiro, vender-mo-nos ao dinheiro, enforcar-mo-nos na figueira infernal do dinheiro. Satanás ria. O Inferno começava na terra.
Claro que os da política do poder, que vivem no pau de sebo perpétuo do fazear arrear, puxando-os pelos fundilhos, quantos treparam para o mando, querem a canalha contente. E o circo do consumo, a palhaçada do crédito servia-os. Com isso comprávamos os plasmas mamutes onde eles vendiam à noite propaganda governamental, e nos intervalos, imbelicidades e telefofocadas que entre a oligofrenia e a debilidade mental a diferença é nula. E contentes, cretinamente contentinhos, os portugueses tinham como tema de conversa a telenovela da noite, o jogo de futebol do dia e da noite e os comentários políticos dos "analistas" que poupavam os nossos miolos de pensarem, pensando por nós.
Estamos nisto.
Este fim de semana a Grécia pode cair. Com ela a Europa.
Que interessa? O Império Romano já caiu também e o mundo não acabou. Nessa altura em Bizâncio discutia-se o sexo dos anjos. Talvez porque Deus se tivesse distraído com a questão teológica, talvez porque o Diabo tenha ganho aos dados a alma do pobre Job na sua trapeira. O Job que somos grande parte de nós.

PUBLICADA POR JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS (via e-mail)

mercredi 14 décembre 2011

Alguma vez o Primeiro ministro terá razão

Acabo de ler no Económico do dia 4/12/2011 um artigo que transcreve algumas afirmações e considerações do Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho, intitulado: “Crise portuguesa não é culpa de Sarkozy ou Merkel”, que começa dizendo que “Passos Coelho defende um Governo económico europeu e retira culpas a Merkel e Sarkozy no caso português” e que afirmou hoje, no Porto, que a crise portuguesa “não é culpa do senhor Sarkozy ou da senhora Merkel”, apoiando os dois líderes europeus “na defesa de um reforço da liderança económica europeia”.

Passos Coelho acha natural que os países “indisciplinados que colocam em risco outros”, entendam que os mais ricos que emprestam dinheiro exijam garantias. Nada disto me choca. Não me surpreende também que o Primeiro Ministro afirme que em Portugal, quem tem a culpa da crise não é Merkel nem Sarkozy, mas sim quem conduziu Portugal até aqui. Não me admira a lição de moral, ao dizer que “era bom que, aqueles que contribuíram por acção ou omissão para esta dívida e esta ilusão, tivessem a humildade de reconhecer que a culpa do que se está a passar em Portugal não é do senhor Sarkozy, nem da senhora Merkel nem da Europa”. Concluindo que “foi de todos quantos prosseguiram um modelo de desenvolvimento que não era realista nem ajustado nem justo”. Até parece à primeira vista que o Senhor Primeiro Ministro tem razão, falta no entanto clarificar um pouco o seu discurso. Se a culpa é do “modelo de desenvolvimento” também é da Europa e mesmo de muito mais longe, pois o modelo vivido nestes últimos anos, nomeadamente desde 2008, não é Português mas sim universal. Quanto aos líderes da França e da Alemanha, como os outros líderes, têm culpa de: primeiro terem aplicado o modelo que “não era realista, nem ajustado, nem justo”, causador de consequências desastrosas para milhões de Europeus; depois porque desde o início da crise levaram mais que tempo a propor soluções, refiro-me aqui às culpas de Merkel e Sarkozy, os outros têm culpa de não terem feito nada para emendar os erros... Para ficarmos ainda mais esclarecidos gostava de saber a quem se refere o Dr. Passos Coelho quando fala de “quem conduziu Portugal até aqui”. Será do seu predecessor? Ou dos seus predecessores? A segunda hipótese parece-me a boa, pois convém que ninguém esqueça quem governou Portugal de há vinte anos a esta data. Para memória:

Primeiros Ministros:

1985-1995, Dr. Cavaco Silva; 1995- 2001, Dr. Durão Barroso e Dr. Santana Lopes;

Presidente da República:

2006-2011, Dr. Cavaco Silva.

Se atendermos que o melhor período de crescimento, foi no Governo socialista de António Guterres (1995 a 1999) e que na governação Sócrates a situação só se agravou em 2008 com o despoletar da crise mundial. Parece-me que a recomendação da humildade tem de ser muito bem reflectida para evitar o ridículo.
Já não estamos em campanha eleitoral!

In Lusojornal du 14/12/2012, por Aurélio Pinto

lundi 5 décembre 2011

Ensino do Português como língua materna ameaçado!

(…)

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada

Que de longe muito longe um povo a trouxe

E nela pôs sua alma confiada

(…)

Com Fúria e Raiva, Sophia de Mello Breyner Andresen

Porque é preciso recordar e relacionar: as coisas não acontecem de súbito nem por acaso!

Estas opções políticas relativas ao ensino do Português no estrangeiro, que se traduzem nos cortes de cursos e despedimentos sumários de professores, ultimamente noticiados, não decorrem da crise política que agora atravessamos. São antes o resultado de escolhas e decisões que vêm sendo ponderadamente implementadas há vários anos, e cujo objectivo dá pelo nome de “internacionalização” da língua portuguesa. Este grandioso projecto tem como instrumento incontornável o Acordo Ortográfico de 1990, reactivado graças às astúcias, muito pouco democráticas, do “Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (CPLP, São Tomé, Julho de 2004), aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de Maio de 2008.

Contrariamente ao que dizem os seus defensores, este Acordo não contribui para uma – visivelmente impossível – “ortografia unificada”, antes subalterniza a ortografia do português de Portugal, impondo-lhe, sobretudo no que toca às consoantes ditas “mudas”, as opções, já antigas, feitas pelo Brasil (1943), de acordo com a pronúncia brasileira, bem diferente da nossa. Ora esta diferença, que todos “ouvimos”, resulta de dois sistemas vocálicos inconfundíveis. Daí que só por má-fé se possa invocar, nesta matéria, o critério da pronúncia! É a ditadura uniformizadora do maior número, a pior inimiga da diversidade cultural e linguística da humanidade! E o objectivo final deste Acordo é, de facto, facilitar a “internacionalização” da língua portuguesa, mas na sua versão brasileira, à custa da vandalização e, a termo, da liquidação da nossa língua materna. Basta ver o percurso e o papel da CPLP em todo este processo!

Neste contexto, compreende-se que o ensino da sua língua aos portugueses, em Portugal e no estrangeiro, aos nossos emigrantes e luso-descendentes, não tenha grande significado. No país, a prioridade é a aplicação do Acordo Ortográfico, assim desmantelando irresponsavelmente os esforços de alfabetização levados a cabo nas últimas décadas! No estrangeiro, é a redução drástica do número de professores e de cursos destinados a ensinar a nossa língua materna àqueles que a ela têm direito! Deixo a Carlos Reis, grande defensor deste Acordo, a tarefa de confirmar o que tenho vindo a dizer:

“ (…) em espaços em que as comunidades portuguesas registam uma presença importante, será de encarar com cautela e em termos devidamente ponderados a possibilidade de articular acções com os seus representantes, já que a actuação daquelas comunidades se fixa sobretudo na questão do ensino do Português como língua materna, o que escassamente corresponde às preocupações de uma política de internacionalização do idioma. (in Entrevista ao JL de 16-29 de Julho de 2008; o sublinhado é meu)

Em suma, é urgente reagir, pois, contrariamente ao que se diz por aí, ainda estamos muito a tempo de o fazer! É preciso saber e divulgar: há seis anos para a entrada em vigor generalizada do Acordo (Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008), a contar de 13 de Maio de 2009, data do depósito do “instrumento de ratificação” do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (MNE, Aviso n.º255/2010).

Defendamos o nosso direito, enquanto portugueses, ao respeito pela nossa língua materna, em Portugal e no estrangeiro! Recusemos o Acordo Ortográfico, concebido para servir interesses políticos e económicos, que não são os do povo português, e que nos inferioriza e desrespeita, assim como aos nossos descendentes, herdeiros da nossa língua!

Aproveito para comunicar que está na Internet uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, que recolhe assinaturas de cidadãos eleitores (em papel; 35000 necessárias), para apresentar na Assembleia da República um “Projecto de Lei de revogação da Resolução da Assembleia da República n.º35/2008”, já referida acima: www.ilcao.cedilha.net

Resta-me dizer que falo com conhecimento de causa: por ter lido e analisado não só o próprio Acordo e a legislação que lhe diz respeito, mas também muito do que sobre estas questões se tem publicado; e pela minha própria experiência profissional e humana - professora de Português (e Francês), no ensino secundário, reformada desde 2006, vivi 15 anos em Paris (1965-1980), tendo aí ensinado a nossa língua, durante oito anos, na Universidade de Paris III.

Termino como comecei, com Sophia de Mello Breyner Andresen, A Palavra:

(…)

«Um homem pode enganar-se em sua parte de alimento

Mas não pode

Enganar-se na sua parte de palavra»

Lagos, 05 Dezembro 2011

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

vendredi 2 décembre 2011

Afirmações e reacções!

Afirmações

Extracto da entrevista de Francisco José Viegas ao “Correio da Manhã”, 20 Out. 2011:

"ACORDO ORTOGRÁFICO DÁ CONFIGURAÇÃO MAIS PODEROSA À LÍNGUA"

- O Acordo Ortográfico é irreversível?

- Nas actuais circunstâncias, penso que sim. Mas o facto de ser irreversível não quer dizer que não seja corrigível.

- Sente muito entusiasmo em Portugal pelo Acordo Ortográfico?

- Não, não sinto. Pessoalmente, acho que teria sido melhor se tivesse sido possível não começar a discutir o Acordo Ortográfico. Mas como o fizemos é preferível aproveitar o que tem de bom: dá uma configuração mais poderosa à língua portuguesa.

- Sob o comando do Brasil...

- Daqui a uns anos o português de Portugal desaparecerá da Internet, engolido pela variante mais forte, que é o português de Brasil. É preferível assumir que essa situação existe e tentar fazer o melhor.

Não o ofende ler palavras como "atividade" ou "espetáculo"?

- Ofende-me mais quando as pessoas dão erros de ortografia evidentes, que resultam de má aprendizagem, desconhecimento, ignorância e desinteresse pelo português. O Acordo não é uma derrota para ninguém, mas também me parece que muitas pessoas que agora estão preocupadas com algumas figuras ortográficas não se preocuparam ao longo dos últimos 20 anos com a desgraça nos rodapés das televisões, nos cabeçalhos dos jornais, na escola... A certa altura o Ministério da Educação deu indicações para não serem tidos em conta os erros ortográficos numa prova escrita de Português.

...

Reacções

Li a entrevista de FJV. Resumindo, as grandes linhas da política “nacional” para a língua materna dos portugueses são:

- O Acordo Ortográfico, que é “irreversível”, mas “corrigível”. (Daí que logicamente e com toda a honestidade esteja já em aplicação nas escolas e em breve na administração pública…).

- Como o AO já está aí, “é preferível aproveitar o que tem de bom: dá uma configuração mais poderosa à língua portuguesa.” (O que isto possa significar em termos linguísticos ou outros não se vislumbra…).

- “Daqui a uns anos o português de Portugal desaparecerá da Internet, engolido pela variante mais forte, que é o português do Brasil. (Grande desígnio nacional, defendido publicamente, sem complexos! …).

- “É preferível assumir que essa situação existe e tentar fazer o melhor.” (Isto é, sejamos pragmáticos: vamos dar uma ajuda, pois o mais fácil é macaquearmos a ortografia do Brasil, para parecermos brasileiros e mais rapidamente desaparecermos…).

Ao serviço desta causa “nacional”, a Secretaria de Estado da Cultura também “apoia” (isto significa o quê?) essa colecção que por aí anda, destinada a massacrar os nossos clássicos!

Portugal no seu melhor!

MJ Abranches


Porque é que Portugal fecha consulados?


Quando é generalizada a convicção de que estamos a assistir à maior vaga de emigração de portugueses após o 25 de Abril de 1974, Portugal continua a encerrar consulados que integram a sua débil estrutura de representação no estrangeiro.

Isso poderia fazer algum sentido se a União Europeia fosse um projecto sólido, em vez de se afirmar, cada vez mais, como um projecto em crise. Aliás, se os Estados da União acreditassem no projecto já teriam, todos eles, reduzido as respectivas representações nos estado que integram a União; e isso não aconteceu.

Mesmo no que se refere à protecção consular externa, prevista nos tratados, a experiência tem demonstrado imensas dificuldades. As repartições portuguesas não aceitam, por regra, documentos legalizados por outros consulados, de países da União Europeia, em países nos quais Portugal não tenham representação.

Perguntamos no titulo por que razão, sendo sensível o crescimento da emigração portuguesa, Portugal continua a desbaratar a sua débil estrutura consular.

A justificação já foi assumida, de forma inequívoca, pelos responsáveis políticos, como derivando da falta de recursos, no quadro de dificuldades que o país enfrenta.

Essa é uma meia verdade, para não se dizer que é uma enorme mentira.

O grosso das receitas consulares reside no emolumentos, que são, actualmente, de valor muito elevado.

As politicas emolumentares dos registos e do notariado foram redesenhadas há alguns anos no sentido de fazer corresponder os emolumentos aos custos efectivos dos actos, em termos que permitam o seu processamento de forma perfeita.

Lê-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, que aprovou o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado que «a tributação emolumentar constituirá a retribuição dos actos praticados e será calculada com base no custo efectivo do serviço prestado, tendo em consideração a natureza dos actos, a sua complexidade e o valor da sua utilidade económico-social».

Essa seria razão suficiente para que as receitas dos consulados – pagas pelos utentes – se destinassem a suportar os custos da própria rede consular que, para além dos serviços que presta, satisfaz necessidades de participação passiva, cuja importância não pode substimar-se.

Ora, o que acontece é que todos os recursos gerados pelos consulados são, literalmente, «desviados» para uma outra entidade, que satisfaz outros interesses, que não são os dos utentes.

O Fundo para as Relações Internacionais (FRI) foi criado pelo nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/1994, de 24 de Fevereiro e viu a sua orgânica estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 59/94, de 24 de Fevereiro.

Lê-se no preâmbulo deste diploma, que transforma o FRI numa autêntica desnatadeira da rede consular:

«O FRI é uma entidade dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial que assegura a arrecadação e gestão das receitas de natureza emolumentar cobradas nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

A actividade do FRI desenvolver-se-á, preferencialmente, no financiamento das acções de formação dos funcionários diplomáticos, na modernização dos serviços externos, bem como no apoio a estudos e trabalhos de investigação relevantes no quadro das relações internacionais.»

O artº 2º estabelece as atribuições do FRI, nos termos seguintes:

«São atribuições do FRI:

a) Apoiar as acções de modernização dos serviços externos;

b) Satisfazer os encargos ocasionados por acções extraordinárias de política externa;

c) Comparticipar em acções de natureza social promovidas por entidades de natureza associativa, visando o apoio aos agentes das relações internacionais;

d) Apoiar acções de formação e conceder subsídios e bolsas a entidades, públicas e privadas, nacionais ou estrangeiras, no âmbito da política definida em matéria de relações internacionais.»

O Fundo é gerido por um conselho de direcção constituído pelo secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que preside, pelo director-geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas e pelo director do Departamento Geral de Administração.

As suas receitas são, nos termos do artº 9º:

a) Os emolumentos consulares cobrados nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;

b) Os saldos de gerência de anos anteriores;

c) O produto de doações, heranças e legados;

d) Outras receitas não discriminadas.

Para além de abarbatar toda a receita emolumentar dos consulados, o FRI ainda se aboleta com os saldos que as representações externas do MNE consigam ter no fim de cada ano.

O Fundo para as Relações Internacionais é uma das repartições menos transparentes da administração pública, nomeadamente porque pode gerar «despesas classificadas» por simples aposição de duas assinaturas.

Contam-se, em meios bem informados, as histórias mais escabrosas relativas à utilização dos recursos deste fundo, formatado por Durão e Cavaco Silva e lançado com os saldos das contas emolumentares dos consulados, a que se referia o
Decreto-Lei Nº 46641, de 13 de Novembro de 1965, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei Nº 633/1970, de 22 de Dezembro.

Os sucessivos governantes, que têm passado pelo MNE, têm-se portado, unanimemente, como uns «castrati», incapazes de pôr termo a esta pouca vergonha.

Se o fizessem e pusessem termo ao desvio das verbas dos consulados, talvez não tivessem que os fechar.

Os consulados são um negócio altamente lucrativo para o Estado. Mas não há nenhum negócio que possa ter lucros se lhe abarbatarem as receitas.

In MR ( http://www.lawrei.eu/mranewsletter/?p=4806 )

mardi 29 novembre 2011

Em Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro

Exmos. Senhores

Para divulgação, remeto, em ficheiro anexo, o texto da tomada de posição pública

do Colectivo para a Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro recentemente

constituído em França.

Este documento foi já enviado ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, ao Secretário

de Estado das Comunidades Portuguesas, à Presidente do Instituto Camões e

a todos os Grupos Parlamentares da Assembleia da República.

Em reunião, realizada recentemente, o mesmo Colectivo decidiu promover um

abaixo-assinado, que será posto a circular no início da semana.

Entretanto, uma delegação do Colectivo para a Defesa do Ensino do Português

no Estrangeiro será recebida pelo Embaixador de Portugal em França, Dr. Seixas

da Costa, na próxima terça-feira, dia 29 de Novembro, às 17,30 horas.

Certo da melhor atenção, apresento os meus melhores cumprimentos.

Raul Lopes

Membro do Colectivo para a Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro

Presidente da Associação Portuguesa Cultural e Social de Garches



Em Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro

1. O Colectivo para a Defesa do Ensino do Português

no Estrangeiro, reunido a 24 de Novembro em

Paris, considera que as medidas levadas a cabo

pelo Governo de Portugal visam a eliminação de um

direito inalienável do cidadão português residente

no estrangeiro: o direito à aprendizagem da

língua portuguesa.

Este mesmo Colectivo promete fazer tudo o que está ao seu alcance, no sentido de

mobilizar a Comunidade Portuguesa presente em França (pais, alunos e professores)

para que, unidos e solidários, lutemos pelo direito que nos é atribuído pela

Constituição: o direito a aprender o nosso próprio idioma.

2. Esse direito, previsto na Constituição da República (artigo 74º: Assegurar aos

filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa)

tem sido constantemente desrespeitado. Devido a esta política preconceituosa,

o cidadão português residente no estrangeiro vê-se secundarizado e descriminado,

pois o Estado português não cumpre o seu dever e missão. Não há portugueses de

primeira (os que vivem em Portugal) e portugueses de segunda (os que vivem no

estrangeiro). Somos todos portugueses.

3. Assim, a “reestruturação total da rede de ensino do português no estrangeiro”

que o Governo pretende levar a cabo até ao final de 2011 é:

INCONSTITUCIONAL, LESA-CULTURA E LESA PÁTRIA.

4. O Governo decidiu suspender, a partir de Janeiro 2012, a comissão de

serviço a 50 professores na Europa (20 em França). As aulas serão, assim,

abruptamente interrompidas a meio do ano lectivo, deixando sem aulas cerca de

5000 alunos. Esta decisão, se não fosse trágica, seria, no mínimo, cómica, tal é o

irrealismo e a falta de respeito demonstrada pelo Ministério dos Negócios

Estrangeiros. O Governo ameaça com novos despedimentos para o verão.

5. O Governo, a efectuarás esta “reestruturação”, prova de uma vez por todas

não estar à altura do pendor universal e universalista da língua e cultura portuguesas.

A língua portuguesa (a quinta língua mais falada no mundo) não se coaduna

com as mesquinhas e ridículas perspectivas economicistas desenvolvidas por

políticos sem visão de futuro. A língua e a cultura portuguesas são a principal

mais-valia de Portugal e não têm preço.

6. No caso da França, existem já organismos oficiais franceses que se mostraram

chocados e escandalizados com estas medidas do Governo português. As

autoridades francesas mostram-se mais preocupadas com o futuro da língua

portuguesa do que o Governo de Portugal.

7. O “ensino do português como língua materna” deverá sobrepor-se ao “ensino

do português como língua estrangeira”. O ensino da língua portuguesa deverá

estar em pé de igualdade com o ensino da língua oficial do país de residência.

Os nossos filhos deverão ter a oportunidade de falar, pensar e sentir em português.

8. O Ensino do Português no Estrangeiro é o principal vínculo que liga os

lusodescendentes a Portugal. Sem o EPE, Portugal perderá esse pilar e

mocional, ficando, obviamente, ainda mais pobre. Numa perspectiva economicista,

tão cara aos tecnocratas que lideram Portugal, podemos referir que os emigrantes

portugueses enviam para Portugal remessas no valor de dois mil milhões de euros

por ano. Esse filão poderá terminar.

9. O Colectivo para a Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro apela à

mobilização de todos os portugueses contra a “reestruturação” do Ensino do

Português no Estrangeiro. Uma “reestruturação” inconstitucional que ataca as

comunidades e, acima de tudo, a sobrevivência da língua portuguesa no seio

dos milhões de lusodescendentes que existem na Europa e no mundo.

Puteaux, 24 de Novembro de 2011

Os membros do Colectivo para a Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro

Ana Silva, professora do EPE

Ana Vicente, professora do EPE

António Fonseca, vice-presidente do Conselho Permanente do CCP

Helena Neves, presidente da ACFPI de Viroflay

Isabelle Gonçalves, presidente da ACP de Courbevoie-La Garenne

Jaime Alves, vice-presidente da AFP do Puteaux

José Afonso, presidente da AFP do Puteaux

José Azevedo, professor do EPE

José Cardina, presidente da CCPF

Júlio Frederico, vice-presidente da Filarmónica de Paris

Kathy de Azevedo, membro da direcção da AFP do Puteaux

Manuel Brito, presidente da ARCOP de Nanterre

Nuno Gomes Garcia, arqueólogo e escritor

Parcídio Peixoto, membro do CCP

Raul Lopes, presidente da APCS Garches

Comentário:

Acabo de ler no "Horizonte Português" aquele manifesto do "Coletivo...": estou de acordo com tudo, menos com o facto de já estarem a aplicar o AO!... Perdem logo metade da credibilidade, pelo menos, ao aceitar em de maneira seguidista e acrítica esta vandalização da língua que dizem pretender defender... Ainda não perceberam que é justamente esta onda de promoção da "internacionalização" da língua portuguesa (entenda-se, na versão do Brasil...), cujo instrumento privilegiado é o AO, que subalterniza a língua materna dos portugueses, os de cá e os de fora?! Na óptica destes iluminados, 15 milhões de portugueses não contam, face aos quase 200 milhões de brasileiros (mesmo que uma boa parte seja praticamente analfabeta e pouco fale português...). E também ainda não perceberam que esta gente que nos governa "despreza" os emigrantes?!...

MJ Abranches

samedi 19 novembre 2011

Carta à Fenprof

Caros colegas,


No seguimento da minha carta de 13 de Outubro último, que suponho tenham recebido, e tendo entretanto lido o “Jornal da FENPROF” n.º 254, de Outubro 2011, permito-me fazer mais algumas observações.

Logo no verso da capa do jornal, aparece um “Esclarecimento sobre a aplicação do acordo ortográfico” [ver recorte] conta da decisão tomada pelo JF nesta matéria:
“i) manter a ortografia antiga para todos os textos assinados que assim nos sejam enviados; ii) adoptar a ortografia aprovada pelo AO para os autores que assim o pretendam; iii) adoptar o AO para os textos não assinados.”

Quanto aos dois primeiros pontos, nada tenho a dizer, excepto que a “ortografia antiga” (já agora, porque não “arcaica”?) continua actual e em vigor, paralelamente à “ortografia moderna” (é a “moda” que comanda a vida, neste país!): segundo a Resolução da Assembleia da República, n.º 35/2008, há seis anos de transição para a aplicação do AO, a contar do depósito do instrumento de ratificação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, o que ocorreu a 13 de Maio de 2009 (Aviso n.º 255/2010, ME).

Quanto ao terceiro ponto, e tendo em conta os seis anos atrás referidos, pergunto: por que razão se apressa a FENPROF a aplicar o AO? Os sindicatos dos professores, tanto quanto sei, não fazem parte do “Governo” nem dos “serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo”, que deverão aplicar o AO, segundo a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, a partir de Janeiro de 2012. Daqui decorre ainda que, contrariamente ao que se afirma no “Esclarecimento…”, esta não é por enquanto a ortografia obrigatória nos “textos oficiais”. É verdade que também o actual governo, no Relatório do OE 2012 aplica antecipadamente o AO: estranha coincidência! Como explica a FENPROF este proselitismo?

No pequeno texto acima referido, diz-se também que a FENPROF continua, “obviamente, a acompanhar, com interesse, o debate sobre esta matéria, aguardando serenamente pelo resultado da Iniciativa Livre (?) de Cidadãos junto da Assembleia da República”.

Antes de mais, queiram, por favor, corrigir o lapso: trata-se de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, D.R. N.º 129 – I Série-A, pp. 3349), um exercício de cidadania corajoso, consciente e responsável, que nos interpela a todos e requer a nossa participação individual. Quanto ao resto da citação, não compreendo a postura de mero espectador assumida aqui pela FENPROF! “Debate” deveria haver, mas quase não há, porque o poder, político e económico (alguns media, designadamente a RTP e algumas editoras) silenciou os que reprovam este AO, pondo a circular uns estereótipos absurdos, para “inglês ver” e repetir: “as línguas evoluem”, “não somos donos da língua”, só os “velhos do Restelo” se opõem (entenda-se: conservadores, antiquados, retrógrados, imobilistas, etc. …)!

Mas o que mais me indigna é que os que têm obrigação de fomentar a discussão aberta e informada, como os professores, se calem e se curvem! O que fez a FENPROF até agora, como a meu ver lhe competia, para promover a informação, a análise e a troca de opiniões que a gravidade deste assunto exige? Há discordâncias entre os responsáveis? Pois seria muito positivo que esse confronto de posições e ideias fosse aberto e alargado à comunidade educativa, para maior esclarecimento e participação de todos nós! Porque a democracia é essencialmente isso: a possibilidade de os cidadãos debaterem abertamente os seus pontos de vista, forçosamente diferentes, de modo a encontrar os consensos possíveis, no respeito pela dignidade de cada um e da comunidade a que pertencem.

Estes apelos que venho repetidamente fazendo à “principal organização sindical de docentes” (M.N.), fi-los também, logo em 2008, à Associação de Professores de Português (APP), que contactei a 9 de Junho, por e-mail, e a quem manifestei a minha viva preocupação, tendo-lhe mandado o meu pequeno estudo “O Novo Acordo Ortográfico, Contributo para uma reflexão necessária”, o mesmo que aliás já enviara à FENPROF.

Recebi esta resposta da APP, a 18.06.2008:
“Cara colega,
Acusamos a recepção da sua mensagem, que agradecemos. Para mais informamos que a Direcção não tomou publicamente uma posição sobre a matéria por se verificar um empate técnico entre os que são violentamente contra e os que são veementemente a favor.
Tendo verificado que não é nossa sócia, aproveitamos a ocasião para lhe enviar em anexo alguma informação acerca da nossa actividade.
Atenciosamente,
A Dir. APP”

Da segunda e última mensagem que então enviei à APP, com data de 26.06.2008, e que ficou sem resposta, destaco:
“Em segundo lugar, esperava que nesta questão, vital para a nossa língua, mais do que ser “violentamente” contra ou “veementemente” a favor, a APP contribuísse objectivamente para a reflexão séria e o esclarecimento aprofundado que a situação exige e de que os professores de Português necessitam.”

Continuo a acreditar que fugir à discussão inerente às questões controversas é prestar um mau serviço à causa da democracia. E é também abrir caminho ao obscurantismo e a todas as prepotências!

Quero ainda salientar um dos aspectos mais nefastos da aplicação em curso deste AO, no ensino: nós, professores, estamos de facto a contribuir para a instauração da confusão generalizada no domínio da ortografia, e a prazo também da própria pronúncia, da nossa língua materna. E isto num país caracterizado por um analfabetismo crónico que, penosamente e com grandes custos financeiros, se tinha vindo a combater nas últimas décadas!

Para terminar, recordo que têm sido notícia, de novo, nos últimos dias, os cortes que o ensino do Português no estrangeiro vai sofrer, devido à contenção orçamental, havendo já largas centenas de alunos sem aulas, por falta de professores. Estas restrições prejudicam sobretudo as comunidades portuguesas residentes no estrangeiro, a quem se retira assim um direito que a nossa Constituição lhes reconhece. O Estado costuma lembrar-se dos emigrantes, quando precisa de dinheiro e de votos, mas empenha-se muito pouco na promoção da dignidade da sua qualidade de cidadãos portugueses, conhecedores da sua língua, da sua história e da sua cultura! Para isto não há dinheiro, porque os nossos responsáveis políticos entendem que a emigração não dá “prestígio internacional”!

Mas há dinheiro do Estado – e não deve ser pouco – para promover o Acordo Ortográfico, apresentado como “um dos fundamentos da Comunidade”(CPLP), e o instrumento incontornável da tão ambicionada “internacionalização” da língua portuguesa (previsivelmente na sua versão “português.br”). Ao serviço desta causa está o Fundo da Língua Portuguesa e as mais variadas iniciativas e diligências do MNE, do Instituto Camões, da Secretaria de Estado da Cultura, do MEC, da RTP, etc. … Um bom exemplo: esse acontecimento editorial que dá pelo nome de “Coleção klássicos”, larga e ricamente publicitado um pouco por toda a parte!…

“Quem não se sente não é filho de boa gente”, diz o ditado: por isso insisto na necessidade de defendermos com convicção a dignidade da nossa língua materna, que esses Clássicos, agora tão maltratados, nos deixaram e pela qual somos responsáveis perante as gerações futuras!

As minhas melhores saudações,


Lagos, 16 de Novembro de 2011

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

vendredi 11 novembre 2011

Carta ao Governo

Carta de Maria José Abranches Gonçalves dos Santos aos membros do governo

Ex.mos Senhores

Primeiro-Ministro do XIX Governo Constitucional

Ministro dos Negócios Estrangeiros

Ministro da Educação, do Ensino Superior e da Ciência

Lagos, 27 de Junho de 2011

Começo por apresentar os meus mais sinceros votos de que, com o actual governo, Portugal encontre definitivamente o seu próprio caminho e o lugar que lhe cabe entre as demais nações democráticas.

Dada a gravidade e o perigo da situação em que a nossa língua se encontra, devido à adopção do Acordo Ortográfico de 1990, cuja aplicação está aceleradamente em curso – desde a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 9 de Dezembro de 2010, atrevo-me, na simples qualidade de cidadã portuguesa e de professora de Português (agora aposentada), a dirigir-me a quem tem responsabilidade e poder para intervir.

Porque as políticas relativas à defesa, ensino e difusão da nossa língua – português de Portugal – estão também a cargo dos dois Ministros acima referidos, a eles igualmente me dirijo, pedindo a V.ª Exc.ª, Senhor Primeiro-Ministro, o favor de lhes transmitir a minha missiva.

Sou desde o início contra este Acordo pretensamente “uniformizador”, que conheço bem, assim como muitos dos pareceres e opiniões de especialistas e intelectuais prestigiados e credíveis que contra ele se têm pronunciado.

Conheço também as várias fases desta já velha guerra entre o Brasil e Portugal em torno da ortografia da língua portuguesa, que data concretamente de 1907 (e não de 1911, como se diz no Anexo II do Acordo), quando a Academia Brasileira de Letras efectuou unilateralmente uma reforma ortográfica tendente à simplificação da ortografia, aproximando-a da “fonética”.

Desde então, todas as tentativas de aproximação entre as duas ortografias têm sido sistematicamente desrespeitadas pelos brasileiros, que consideram – e bem – que a sua soberania passa pelo direito de decidir do modo como devem escrever a sua língua. Foi o que aconteceu inclusive com o Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 1945, que tem estado em vigor entre nós e em todos os restantes países que agora integram a CPLP.

Aliás, penso que não tem importância nenhuma, como não tem tido até agora, que existam diferenças ortográficas entre as duas normas da língua portuguesa. É até vantajosa essa “fronteira visual” que ajuda a distingui-las, já que os menos instruídos poderão não ser sensíveis às diferenças sintácticas e vocabulares que as caracterizam - essas sim determinantes - o que, com as novas tecnologias, pode ter consequências desagregadoras incalculáveis. Basta salientar que em certas funcionalidades do Google, por exemplo, já só é proposta a opção “português.br”. Se é a isto que se chama promover o prestígio da língua portuguesa…?!

Gostava ainda de recordar que foi preciso o recurso astucioso ao Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (CPLP, São Tomé, 25 de Julho de 2004) - onde surpreendentemente se afirma “ser o Acordo Ortográfico um dos fundamentos da Comunidade”, e que permite que três países decidam da ortografia da língua que oito partilham - para que este Acordo pudesse entrar em vigor…

Para concluir esta breve evocação de alguns aspectos importantes do historial do assunto em apreço, permito-me citar o último parágrafo duma análise da questão ortográfica, da autoria de um Professor brasileiro da Universidade de São Paulo:

«Assim, pode-se dizer que grande parte da discussão em torno da ortografia da língua portuguesa – como, de resto, em torno da própria língua – redunda na tentativa de afirmação nacionalista de uma vertente brasileira do idioma, em franca oposição à vertente lusitana.» (in Reforma Ortográfica e nacionalismo lingüístico no Brasil, Maurício Silva (USP): www.filologia.org.br/revista/.../5(15)58-67.html).

A discussão científica, séria e aberta que esta importante questão requer tem vindo a ser negada ao povo português, a quem o Acordo Ortográfico de 1990 está a ser imposto pelo Estado como algo de inelutável e de definitivo, “facto consumado”, nomeadamente com o apoio escandaloso da RTP, serviço público com responsabilidades acrescidas na defesa do nosso património cultural e linguístico, junto da população residente e das nossas comunidades espalhadas pelo mundo.

Mas é o caso do Ministério da Educação o que mais me preocupa, por isso me dirijo muito especialmente ao novo Ministro do sector, em quem deposito uma imensa confiança, pelo que conheço das suas ideias e valores, expressos na obra O ‘Eduquês’ em Discurso Directo – Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista.

A decisão do governo anterior, consubstanciada na Resolução n.º 8/2011, de 9 de Dezembro de 2010, estipulando a entrada em vigor do Acordo no sistema de ensino, no próximo ano lectivo, veio confirmar os meus piores receios. É mesmo o caos sem regresso que se pretende instaurar, é a desautorização definitiva da ortografia da nossa língua que se quer promover junto da juventude do nosso país!

Sintomáticos deste desnorte previsível são já, a meu ver, alguns aspectos inéditos das instruções produzidas pelo GAVE desde há algum tempo e que fazem crer que o Ministério da Educação, que deveria primar pelo rigor, pela integridade e pela transparência, vem perigosamente falando a duas vozes, discordantes. Vejamos alguns exemplos da incompreensível antecipação do GAVE, e de algumas escolas, relativamente à Resolução n.º 8/2011 (D.R., 1.ªsérie – N.º17 – 25 de Janeiro de. 2011) atrás referida:

Exames de 2010 – Prova Escrita de Português – 12º Ano de Escolaridade;

Prova 639/1ª Fase:

“Critérios Gerais de Classificação”: 7º parágrafo:

“Havendo escolas em que os alunos já contactam com as novas regras ortográficas, uma vez que o Acordo Ortográfico de 1990 já foi ratificado e dado que qualquer cidadão, nesta fase de transição, pode optar pela ortografia prevista quer no Acordo de 1945, quer no de 1990, são consideradas correctas, na classificação das provas de exame nacional, as grafias que seguirem o que se encontra previsto em qualquer um destes normativos.”

Informação n.º 01.11 – Data: 2010.11.08

Prova de Exame Nacional de Língua Portuguesa – Prova 22/2011 – 3º Ciclo do Ensino Básico:

Ponto 4. Critérios de classificação - o parágrafo precedente aparece aqui em 4.º lugar.

• Ainda um exemplo que copiei directamente do GAVE (o destaque é meu):

“Acordo Ortográfico – Informação 2011 – 2 de Abril de 2011:

«Acordo Ortográfico - Informação 2011

2 de Abr de 2011

Informação sobre as implicações do Acordo Ortográfico no processo de codificação das provas de aferição e na classificação das provas de exame nacional

O Acordo Ortográfico de 1990 foi ratificado por Portugal em 2008, prevendo-se uma moratória de seis anos para a sua entrada plena em vigor. O Ministério da Educação estabeleceu como data para entrada em vigor do Acordo Ortográfico, nas escolas, o início do ano lectivo 2011-2012.

Havendo escolas em que os alunos já contactam com as novas regras ortográficas, uma vez que o Acordo já foi ratificado e dado que qualquer cidadão, nesta fase de transição, pode optar pela ortografia prevista quer no Acordo de 1945, quer no de 1990, são consideradas correctas, na codificação das provas de aferição e na classificação das provas de exame nacional, as grafias que seguirem o que se encontra previsto em qualquer um destes normativos.

Para esclarecimento de dúvidas relativas à nova ortografia, deve ser consultado o Portal da Língua Portuguesa, www.portaldalinguaportuguesa.org , que disponibiliza o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e o conversor Lince como ferramenta de conversão ortográfica de texto para a nova grafia.»

Observações:

1. - É incorrecta a afirmação destacada no 1.º parágrafo, podendo induzir o público em erro.

1.1. - O A.O. de 1990 foi:

– a) assinado em Lisboa em 16 de Dezembro de 1990, pelos representantes dos países de língua portuguesa (à excepção de Timor-Leste);

- b) aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, em 4 de Junho de 1991;

- c) ratificado pelo Dec. do Presidente da República n.º 43/91, de 23 de Agosto, assinado em 4 de Agosto de 1991 e referendado em 7 de Agosto pelo Ministro da Presidência.

( in D.R. – I Série – A - N.º 193 – 23-8-1991)

- d) rectificado pela Assembleia da República - Rectificação n.º 19/91, de 15 de Outubro de 1991, no tocante a várias “inexactidões” entretanto detectadas no Anexo II, designadamente no “ponto 8”, cujo título foi modificado e a que se acrescentou um “terceiro parágrafo”.

( in D.R. – I Série A – N.º 256 – 7-11-1991)

1.2. Em 2008:

- a) a Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de Maio, “Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em 26 e 27 de Julho de 2004.” (O “Acordo do Segundo Protocolo Modificativo” está publicado em anexo).

- b) No ponto 2 do Artigo 2.º desta Resolução da A. R. diz-se:

No prazo limite de seis anos após o depósito do instrumento de ratificação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo (…) a ortografia constante de novos actos, normas (…) deve conformar-se às disposições do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.”

- c) o Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, de 29 de Julho, assinado em 21 de Julho, e referendado em 22 de Julho, ratifica o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

(in D.R., 1.ª série – N.º 145 – 29 de Julho de 2008)

1.3.Data do “depósito do instrumento de ratificação” do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa:

- a) o Aviso n.º 255/2010, do Ministério dos Negócios Estrangeiros diz explicitamente: “O depósito do respectivo instrumento de ratificação foi efectuado em 13 de Maio 2009, tendo o referido Acordo entrado em vigor para Portugal nesta data.”

N.B.: Este Aviso tem data de 13 de Setembro de 2010 e foi publicado no D.R., 1.ª série – N.º 182 – 17 de Setembro de 2010.

- b) Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, sob a presidência do Primeiro-Ministro José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, com data de 9 de Dezembro de 2010, pode ler-se no 11.º parágrafo:

“Assim, e nos termos do Aviso n.º 255/2010, de 13 de Setembro, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 17 de Setembro de 2010, o Acordo Ortográfico já se encontra em vigor na ordem jurídica interna desde 13 de Maio de 2009.”

(in D.R., 1.ª série N.º 17 – 25 de Janeiro de 2011)

2. De novo, no parágrafo destacado, a referência a escolas que já estarão a aplicar o Acordo de 1990, com a justificação de que “o Acordo já foi ratificado” e “qualquer cidadão, nesta fase de transição, pode optar”… Tendo em conta o que já salientei das datas dos documentos envolvidos e da ausência da discussão e debate imprescindíveis, envolvendo escolas e famílias, é lícito perguntar: é assim que o Ministério da Educação entende ser o garante fiel da estabilidade, da transparência e do rigor que devem marcar a sua actuação, dado que tem nas suas mãos a formação das novas gerações?

No “Público” de sábado passado, 25 de Junho, foi publicada uma “Carta aberta” a VV. EE., que inteiramente subscrevo e agradeço. Este é o meu simples contributo para a mesma causa, com um último apelo: os compromissos desonrosos, é uma honra e um dever não os respeitar. A nossa língua merece e agradece!

Com os meus respeitosos cumprimentos,

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

P.S.: Reservo-me o direito de divulgar esta minha missiva, pelos meios ao meu alcance.


Amor de mel