samedi 14 janvier 2012

Choca-me profundamente a passividade com que vejo as pessoas assistirem à implementação do AO90

Hermínia Castro é natural de Lisboa, com raízes no Minho, Algarve e Beira Interior. Cresceu na terra de Pedro Álvares Cabral. Estudou em Aveiro e depois em Londres. Podia morar em qualquer lugar do planeta, mas escolheu Portugal, entre outras razões, porque é onde se fala e escreve a língua mais bonita do mundo, na sua versão original. Aprendeu a ler aos 5 anos e nunca mais parou.

Começou por ser bióloga. Depois mudou (radicalmente) de profissão e agora é tradutora. Ou seja: começou por se dedicar à conservação da Natureza; agora, pelos vistos, passou a dedicar-se à conservação do português de Portugal. O seu maior desejo para 2012 é que as espécies invasoras [como se lê] “fâtura”, “projêto”, “espetador” possam ser eliminadas, para que as autóctones “factura”, projecto”, “espectador”, etc. possam novamente viver em paz e sossego.

«Costumo dizer que tenho a melhor profissão que há, pois passo o dia a lidar com a minha língua materna, que adoro, e ainda me pagam para o fazer.

Mas, recentemente, dei por mim a ponderar seriamente mudar uma vez mais de actividade. Porque, muito simplesmente, não estou a ver onde irei arranjar estômago para passar o dia a ler e escrever em “acordês”, um sucedâneo de língua em que não me reconheço e que mais não faz do que descaracterizar, desfigurar e distorcer o português de Portugal.
Subscrevi a ILC, com toda a convicção, porque acho imperativo e urgente repensar a implementação do Acordo Ortográfico de 1990 em Portugal.
O AO90 não é uma inevitabilidade, temos uma palavra a dizer e todas as assinaturas são importantes. Não deixe os outros decidirem por si! Assine também. Além disso, não deixe que lhe digam que tem de passar já a escrever segundo o AO90, isso não é verdade (pelo menos até 2015).
Choca-me profundamente a passividade com que vejo as pessoas assistirem à implementação do AO90, sem ao menos pensarem se concordam ou não com estas alterações nem acharem que têm uma palavra a dizer no que respeita à sua própria língua. Gostaria que, no mínimo, antes de o aceitarem, o analisassem por um bocadinho. Quando há bons motivos para mudar seja o que for, nem se hesita! Quando os motivos não passam de uma aldrabice pegada, nem pensar!!
Desejo ao Brasil as maiores felicidades e o maior sucesso. Acho que Portugal pode orgulhar-se, e bem, de ter dado o Brasil ao mundo. Só não vejo por que razão o actual crescimento económico (e consequente influência política) do Brasil há-de ditar que eu agora tenha de escrever como os brasileiros, se não falamos da mesma forma. Quando alguém conseguir apresentar-me um motivo realmente válido para esta mudança de ortografia (até hoje não vi um único!), poderei mudar a minha opinião sobre o “acordo”. Até lá… AO90? Claro que não!»

Subscreveu a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação da entrada em vigor do “acordo ortográfico”.

Nota: esta publicação foi autorizada pela subscritora, que nos enviou, expressamente para o efeito, a fotografia e a nota biográfica.

dimanche 8 janvier 2012

Desobediência Civil

O Estado Português, com uma leviandade que não deveria ser apanágio de um Estado Decente, assinou de cruz (como fazem os analfabetos) um tratado internacional que impõe uma coisa a que chamou Acordo Ortográfico e que, pelos muitos erros técnicos e de conteúdo que contém, tem sido vulgarmente conhecido por Aborto Ortográfico – com o devido respeito pelas mulheres que, ao abrigo da lei, se vêem obrigadas a proceder à interrupção voluntária das respectivas gravidezes.

Este acto leviano foi perpetrado a três tempos, cada um deles acrescentando estupidez à estupidez do anterior: primeiro houve o tempo zero, que foi aquele em que dois ou três ditos linguistas pariram a ideia (que, essa sim, deveria ter sido objecto de aborto higiénico) de que a Língua Portuguesa, na sua vertente ortográfica, é uma coisa que se pode mudar de acordo com as modas, como se fosse uma cirurgia estética do tipo Lili Caneças.

Foi a estupidez originária.

Veio de seguida o momento em que o Estado Português aprovou o produto das ditas parideiras de ortografia, sem discussão nem auscultação dos profissionais e investigadores do sector – como se fosse competência do Estado actual mexer com a Língua Portuguesa que já existe, documentada, desde o século VIII (estamos, como se sabe, no século XXI).

Foi o primeiro momento, o da consagração da estupidez.

Seguiu-se o momento em que o Estado Português tentou vender a sua banha-da-cobra ortográfica aos restantes sete países lusófonos, tendo ficado definido que a mesma só produziria efeitos depois de ser comprada por todos. Ou seja, se houvesse unanimidade. Mas como nem Angola nem Moçambique se deixaram ir na cantiga – eles lá têm problemas muito mais importantes com que se preocupar… –, não existindo assim unanimidade, os tontos que decidiram sobre esta matéria em nome do Estado português lá se meteram noutra: assinaram uma alteração ao tratado inicial em que, em vez da unanimidade, bastaria a assinatura de pelo menos três dos oitos países de língua portuguesa para que o famigerado Acordo pudesse entrar em vigor.

Foi o segundo momento, o da estupidez-tanto-faz.

Chegou agora o momento em que o Estado Português decretou que a partir do passado dia 1 de Janeiro toda a gente – bem, o próprio Estado e seus servidores obedientes – passasse a escrever a Língua Portuguesa não de acordo com o que mais de mil anos de história foram apurando, mas sim de acordo com o que o clube de senis que é a Academia das Ciências de Lisboa resolveu fazer entre duas partidas de sueca – relativamente ao qual apenas existe um único parecer favorável: o da própria Academia das Ciências de Lisboa, assinado pelo obscuro linguista que foi o seu autor.

Foi o terceiro momento, o do Reino da Estupidez (expressão que peço emprestada ao grande Jorge de Sena).

Como cidadão, e como linguista e professor que se ocupa da História da Língua Portuguesa, e porque entendo que – primeiro – o Acordo Ortográfico é um chorrilho de asneiras desnecessárias e inúteis, e que – segundo – não compete ao Estado decidir como é que eu devo escrever a língua que herdei dos meus antepassados (e que escrevo tal como a Sr.ª D. Graziela me ensinou na escola primária da Serreta), do mesmo modo que não compete ao Estado decidir que remédio deverei eu utilizar para as dores nas costas (competência que apenas reconheço ao meu médico), declaro aqui solenemente que me recuso a escrever o Português à maneira atoleimada e anti-histórica que me tentaram impor.

Este é, até ao momento, o meu único acto de desobediência civil.

Mas é consciente.

par Luiz Fagundes Duarte, samedi 7 janvier 2012, 10:30

(Na edição de hoje do Açoriano Oriental, de Ponta Delgada, e na de amanhã do diXL, de Angra do Heroísmo)

mardi 3 janvier 2012

«Esse malfadado acordo»

A partir de 1 de Janeiro, ao que parece, é de vez: todas as entidades públicas são obrigadas a adoptar o Acordo Ortográfico, mediante o qual o Estado português vendeu, grátis, parte do seu património inalienável. O Expresso, como sabem os leitores, já é escrito em obediência a esse malfadado acordo. Mas sobra a liberdade para os colunistas que assim o desejem, e entre os quais me incluo, continuarem a utilizar nos seus textos a ortografia da língua que herdámos dos nossos pais e que gostaríamos de transmitir aos nossos filhos. Assim continuarei, pois, a fazer, com o grande conforto de saber que estou a fazer a coisa certa.

Que os chineses fiquem com a electricidade que chega às nossas casas, preocupa-me porque sei que não há almoços grátis e, mais tarde ou mais cedo, teremos de pagar o preço com juros. Mas, no essencial, nada muda: a EDP continuará a ser a empresa pessoal do dr. Mexia e nós continuaremos a pagar a electricidade a preços de monopólio, o que é um dos factores impeditivos do nosso desenvolvimento. Que os espanhóis fiquem com o controlo aéreo do espaço português ou os angolanos com a Galp ou a REN, preocupa-me mais um pouco. Que os alemães fiquem com a água preocupa-me bastante mais — não por serem os alemães, mas por ser a água, o mais público de todos os bens. Que a nossa mais importante embaixada no mundo,a TAP, seja oferecida aos brasileiros, considero um acto de lesa-pátria, mas, desde que não me obriguem a ir a Madrid apanhar o avião para o Rio, do mal o menos, somos uma massa falida em liquidação total. Mas obrigarem-me a escrever o português em brasileiro — eu, cujos antepassados levaram a língua ao Brasil há 500 anos —, isso não. E digo-o com a convicção de quem ama profundamente o Brasil e tem, perdoem-me a imodéstia, o orgulho de ter quatro livros editados no Brasil e, por expressa vontade minha, com o português que aqui se fala e que é nosso.

Num artigo publicado esta terça-feira no “Público”, a professora Maria José Abranches explicou, mais uma vez,, até que ponto a capitulação feita com o Acordo Ortográfico representa uma absurdo face às regras da gramática em que aprendemos e crescemos e que continuam a fazer todo o sentido. Trata-se de uma língua comum, com regras ou desenvolvimentos diferentes na sua grafia e oralidade, que só são unificáveis à força e unilateralmente, tal como se fez no AO: quando os brasileiros escrevem de uma maneira, mesmo que nós não o façamos, vale a regra brasileira; quando nós escrevemos de uma maneira e eles não, vale também a regra deles. Já nem discuto que se possa fazer entrar em vigor uma convenção linguística que envolve oito países dessa língua e em que apenas três a ratificaram (há cinco países que continuarão a escrever o português que nós traímos). Já nem discuto que se tenha decidido modificar a língua sem consultar os que mais a usam: escritores, editores, jornalistas, professores de português. A única coisa que me intriga é saber como é que esta ideia nasceu (e não foi a pedido dos brasileiros), e como é que cresceu e ganhou pernas até se tornar um facto consumado, que os governantes aceitaram passivamente, com medo de ofender os senhores ‘académicos’. A história do Acordo Ortográfico é um exemplo brilhante de como, por passividade e deixar andar, se consuma um crime contra o património, disfarçado sob a capa de uma pseudovantagem estratégica que é um disparate que não resiste a qualquer análise. Sobre isso, sobre a razão do nascimento deste atentado à língua portuguesa, tenho uma teoria, que não me dispenso de enunciar, sempre que a oportunidade surge, aqui ou do lado de lá do mar: devemos o Acordo Ortográfico à ociosidade de alguns ‘sábios’ da Academia das Ciências que, sem nada de mais útil para fazer e antecipando algumas ‘viagens de trabalho’ ao Brasil, se lembraram de propor aos brasileiros, e para grande espanto deles, se não achavam chegada a altura de pôr os portugueses a escrever à brasileira. E assim nos entregámos, fazendo de nós um povo que, depois de tudo ter entregue, já nem sequer é dono da língua que criou e que fala. Repito: é uma teoria, não uma afirmação baseada em factos. Mas, se não é verdade, até parece!

É nestas alturas que eu acho que faz falta um grande estadista e um grande português na Presidência da República. Para dizer aos tontos que venderam a nossa língua: “Os senhores assinem o que quiserem, até podem dar de volta o Algarve aos mouros. Mas eu jurei defender Portugal e entendo que a língua que falamos e escrevemos é património de Portugal.”

Enquanto puder, eu continuarei a escrever no português que a dona Constança me ensinou, na escolinha pública da Serra do Marão, onde aprendi a escrever em português.

Miguel Sousa Tavares

[Transcrição parcial (ponto 2) de artigo da autoria de Miguel Sousa Tavares publicado no Semanário Expresso de 30.12.11. Esta transcrição foi dactilografada a partir de uma digitalização de recorte disponibilizada na Internet.]

Miguel Sousa Tavares, Expresso,

«Pare, escute e olhe! Ainda vamos a tempo de evitar o desastre»

Ainda não perdemos a língua, dependendo de cada um de nós, cidadãos eleitores, suspender a entrada em vigor deste Acordo Ortográfico, que desfigura, corrompe, e ultraja o português de Portugal, em nome duma pretensa “ortografia unificada”, considerada incontornável para o “prestígio internacional” da língua portuguesa, obviamente na versão brasileira!

Pare! E pense que está em causa a nossa língua materna, isto é, o próprio cerne da nossa identidade como povo europeu, com uma História e uma cultura forjadas ao longo dos séculos.

O português, uma das línguas românicas da Europa, derivadas do latim que o Império Romano trouxe às regiões que estiveram sob o seu domínio, surgiu e desenvolveu-se, acompanhando a história da formação do reino de Portugal, cujo território se estendeu até ao Algarve, com D. Afonso III, em 1249.

É pelo léxico que a língua portuguesa começa a afirmar-se, por volta do século VI, datando de 1214-1216 os dois primeiros textos escritos em português.

Entretanto a língua afirma-se, estando o essencial da sua evolução terminada, do ponto de vista fonético, por meados do século XVI. A primeira gramática da nossa língua data de 1536, cabendo aos gramáticos, dicionaristas e escritores, ao longo dos séculos XVII e XVIII, um papel preponderante na fixação da língua-padrão. Infelizmente, a nossa Academia das Ciências, fundada no século XVIII, nunca teve, contrariamente às suas congéneres europeias, o papel determinante que lhe competia, na defesa e ilustração da língua portuguesa.

A partir da conquista de Ceuta, em 1415, Portugal sai do espaço europeu e lança-se na longa epopeia dos Descobrimentos, que espalhará o português pelos vários continentes. Desta extraordinária aventura resultou a “internacionalização” da língua portuguesa, que ainda hoje perdura, como língua materna, em Portugal e no Brasil e como língua oficial em Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor-Leste, os países da CPLP, e também em Macau. Falta ainda acrescentar as importantes comunidades de emigrantes disseminadas pelo vasto mundo e algumas bolsas de pequenos grupos sociais que resistem, como se verifica em Goa, por exemplo.

Em todos estes países e regiões, com excepção do Brasil — que tem a sua própria norma da língua portuguesa, e que assumiu desde 1907 o direito de a ortografar como muito bem entende — a norma-padrão adoptada como referência foi sempre a do português europeu, estando em vigor, no essencial, a ortografia consagrada pelo Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 1945, que o Brasil, como sempre tem feito, não respeitou, mantendo-se fiel ao seu “Formulário Ortográfico” de 1943.

O Acordo Ortográfico de 1990, ressuscitado pela CPLP em 2004, mediante o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.o 35/2008), que permite que apenas três países, dos oito, possam determinar a sua entrada em vigor, está em vias de subverter totalmente esta situação, que tem raízes históricas evidentes e irrefutáveis. De qualquer modo, somos todos povos soberanos e independentes e cabe a cada um de nós escolher o seu destino, cabendo-nos a nós decidir do nosso!

Escute! E ouça as diferenças existentes entre a nossa língua materna e a língua materna dos brasileiros: elas correspondem a dois percursos evolutivos progressivamente divergentes, no que toca essencialmente ao vocabulário, à sintaxe, ao ritmo e sobretudo à pronúncia, aliás marcada no Brasil por alguns arcaísmos. E note-se que, se nós entendemos facilmente os brasileiros (veja-se o sucesso das suas telenovelas entre nós), a série portuguesa Equador foi submetida a dobragem, no Brasil, conforme noticiado recentemente, o que é significativo!

Trata-se de facto de dois sistemas vocálicos inconfundíveis, até porque, na pronúncia-padrão brasileira, não há vogais pretónicas reduzidas, contrariamente ao que acontece na nossa pronúncia-padrão. Ora, e isto para falar do caso mais emblemático deste Acordo, a Base IV, foi em nome da adequação da ortografia à sua pronúncia que o Brasil, pelo menos desde 1943, deixou cair as consoantes etimológicas, ditas “mudas”, que nós mantivemos, justamente pela necessidade de assim indicar a abertura das tais vogais pretónicas (ex: lectivo, colecção, adopção) e ainda por uma questão de coerência entre palavras da mesma família ou flexão (ex: Egipto, egípcio, egiptólogo). É pois evidente que não faz qualquer sentido invocar a este propósito o critério da pronúncia, como se faz neste Acordo, para exigir a supressão dessas consoantes na ortografia portuguesa, onde elas são, como já se viu, indispensáveis!

Olhe! E veja a confusão e a verdadeira devastação que este Acordo está já a provocar em Portugal! Agora ninguém se sente seguro da sua ortografia! Os pais dizem-se incapazes de ajudar os filhos nos trabalhos escolares! Ver a RTP ou ler alguns jornais, revistas ou livros tornou-se impossível para quem não suporta esta caricatura da nossa língua! O Estado português, com o dinheiro dos contribuintes, está empenhado em destruir o longo e dispendioso esforço de alfabetização dos portugueses, levado a cabo nas últimas décadas e assente numa ortografia da nossa língua claramente estabelecida e consolidada, a partir do já referido Acordo Luso-Brasileiro de 1945!

É o futuro da língua materna dos portugueses e de Portugal que está em perigo, entre nós e no mundo. Como queremos defender a nossa língua lá fora, se aceitamos maltratá-la e destruí-la no nosso próprio país, para servir interesses políticos e económicos que não são os nossos?

Ainda estamos a tempo de salvar a nossa língua materna! Subscrevamos a Iniciativa Legislativa de Cidadãos (http://ilcao.cedilha.net/) para a Revogação da Resolução da Assembleia da República nº 35/2008!

Maria José Abranches
Professora de Português/Francês


Artigo da autoria de Maria José Abranches publicado na edição de hoje, 27.12.11., no jornal Público de 27.12.11, página 31. [LINK]