lundi 5 décembre 2011

Ensino do Português como língua materna ameaçado!

(…)

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada

Que de longe muito longe um povo a trouxe

E nela pôs sua alma confiada

(…)

Com Fúria e Raiva, Sophia de Mello Breyner Andresen

Porque é preciso recordar e relacionar: as coisas não acontecem de súbito nem por acaso!

Estas opções políticas relativas ao ensino do Português no estrangeiro, que se traduzem nos cortes de cursos e despedimentos sumários de professores, ultimamente noticiados, não decorrem da crise política que agora atravessamos. São antes o resultado de escolhas e decisões que vêm sendo ponderadamente implementadas há vários anos, e cujo objectivo dá pelo nome de “internacionalização” da língua portuguesa. Este grandioso projecto tem como instrumento incontornável o Acordo Ortográfico de 1990, reactivado graças às astúcias, muito pouco democráticas, do “Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (CPLP, São Tomé, Julho de 2004), aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de Maio de 2008.

Contrariamente ao que dizem os seus defensores, este Acordo não contribui para uma – visivelmente impossível – “ortografia unificada”, antes subalterniza a ortografia do português de Portugal, impondo-lhe, sobretudo no que toca às consoantes ditas “mudas”, as opções, já antigas, feitas pelo Brasil (1943), de acordo com a pronúncia brasileira, bem diferente da nossa. Ora esta diferença, que todos “ouvimos”, resulta de dois sistemas vocálicos inconfundíveis. Daí que só por má-fé se possa invocar, nesta matéria, o critério da pronúncia! É a ditadura uniformizadora do maior número, a pior inimiga da diversidade cultural e linguística da humanidade! E o objectivo final deste Acordo é, de facto, facilitar a “internacionalização” da língua portuguesa, mas na sua versão brasileira, à custa da vandalização e, a termo, da liquidação da nossa língua materna. Basta ver o percurso e o papel da CPLP em todo este processo!

Neste contexto, compreende-se que o ensino da sua língua aos portugueses, em Portugal e no estrangeiro, aos nossos emigrantes e luso-descendentes, não tenha grande significado. No país, a prioridade é a aplicação do Acordo Ortográfico, assim desmantelando irresponsavelmente os esforços de alfabetização levados a cabo nas últimas décadas! No estrangeiro, é a redução drástica do número de professores e de cursos destinados a ensinar a nossa língua materna àqueles que a ela têm direito! Deixo a Carlos Reis, grande defensor deste Acordo, a tarefa de confirmar o que tenho vindo a dizer:

“ (…) em espaços em que as comunidades portuguesas registam uma presença importante, será de encarar com cautela e em termos devidamente ponderados a possibilidade de articular acções com os seus representantes, já que a actuação daquelas comunidades se fixa sobretudo na questão do ensino do Português como língua materna, o que escassamente corresponde às preocupações de uma política de internacionalização do idioma. (in Entrevista ao JL de 16-29 de Julho de 2008; o sublinhado é meu)

Em suma, é urgente reagir, pois, contrariamente ao que se diz por aí, ainda estamos muito a tempo de o fazer! É preciso saber e divulgar: há seis anos para a entrada em vigor generalizada do Acordo (Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008), a contar de 13 de Maio de 2009, data do depósito do “instrumento de ratificação” do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (MNE, Aviso n.º255/2010).

Defendamos o nosso direito, enquanto portugueses, ao respeito pela nossa língua materna, em Portugal e no estrangeiro! Recusemos o Acordo Ortográfico, concebido para servir interesses políticos e económicos, que não são os do povo português, e que nos inferioriza e desrespeita, assim como aos nossos descendentes, herdeiros da nossa língua!

Aproveito para comunicar que está na Internet uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, que recolhe assinaturas de cidadãos eleitores (em papel; 35000 necessárias), para apresentar na Assembleia da República um “Projecto de Lei de revogação da Resolução da Assembleia da República n.º35/2008”, já referida acima: www.ilcao.cedilha.net

Resta-me dizer que falo com conhecimento de causa: por ter lido e analisado não só o próprio Acordo e a legislação que lhe diz respeito, mas também muito do que sobre estas questões se tem publicado; e pela minha própria experiência profissional e humana - professora de Português (e Francês), no ensino secundário, reformada desde 2006, vivi 15 anos em Paris (1965-1980), tendo aí ensinado a nossa língua, durante oito anos, na Universidade de Paris III.

Termino como comecei, com Sophia de Mello Breyner Andresen, A Palavra:

(…)

«Um homem pode enganar-se em sua parte de alimento

Mas não pode

Enganar-se na sua parte de palavra»

Lagos, 05 Dezembro 2011

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos