Obrigada pela sua resposta, à qual me permito tecer alguns comentários.
Deduzi, pelo que me diz, assim como pelos textos que assinou na “Gazeta” de 23 de Maio (o Editorial e o artigo sobre o Fórum do Interior) que, na sua qualidade de Directora, decidiu adoptar o AO90. Não sei se antes perguntou aos seus leitores se era esse o seu desejo… Pela minha parte, como ando por aí a recolher assinaturas para a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o AO (http://ilcao.cedilha.net/), só tenho encontrado, entre as pessoas que vou contactando (nos cafés, nos estabelecimentos comerciais, etc.) a maior rejeição do que consideram um ultraje e um roubo patrimoniais indefensáveis…
Percebi também que deixa aos seus colaboradores – e muito bem - a liberdade de escreverem, para usar as expressões da Presidente do Brasil, de acordo com “a norma ortográfica actualmente em vigor”, isto é, em Portugal a de 1945 (no Brasil a de 1943), ou de adoptarem “a nova norma estabelecida”, isto é o AO90 ( veja-se o Decreto da Presidente do Brasil: http://ilcao.cedilha.net/?p=8929#comments ).
É com profunda estranheza que constato que a mesma esquerda que se diz – e deveria ser - respeitadora da “liberdade” e da “tolerância”, e defensora dos direitos humanos fundamentais dos portugueses, se considere credenciada para nos impor uma ortografia que desrespeita, desfigura, corrompe e subalterniza a nossa língua materna: a mais nobre e conseguida realização do povo e da nação que neste recanto europeu surgiram, e ao longo dos séculos se foram definindo e consolidando! E isto com uma sobranceria, um autismo e uma determinação que parecem decorrer da conhecida divisa de Cavaco Silva :”Nunca tenho dúvidas e raramente me engano”!
Acredito que a democracia repousa essencialmente na capacidade de nos ouvirmos uns aos outros e de, juntos, encontrarmos os consensos de que nós e o país necessitamos. Socorro-me da sabedoria, sempre actual, de Eduardo Lourenço:
«É em função de um conhecimento do essencial, daquilo que não podemos abandonar sem mutilação próxima e futura, que as escolhas decisivas para o nosso futuro devem ser feitas. Na medida do possível é à totalidade do povo português, consciente e responsabilizado na sua prática a todos os níveis que compete o autodeterminar-se, e não apenas a uma classe tecnocrático-burocrática, de aleatório saber, mas, sobretudo, de específica vontade de poderio e gozo de privilégios, a única que até hoje tem fabricado a imagem portuguesa em função da qual Portugal parece escolher-se «livremente», quando afinal é (e foi) apenas por ela escolhido.» (in “O Labirinto da Saudade”)
Posto isto, queria saudar mais uma vez a “Gazeta da Beira” pelo jornal que tem sido, designadamente pelo cuidado com que tem usado o Português, a língua que lhe permite existir, até esta, a meu ver, infeliz decisão. E peço desculpa por tão claramente dizer o que penso: uma coisa é dar aos cronistas ou articulistas convidados a possibilidade de escreverem com o AO90, se assim o entenderem (o leitor que tire as suas conclusões), outra coisa é ser o próprio jornal a divulgar e difundir essa ortografia bastarda e nefasta.
Queria também agradecer àqueles que continuam a escrever com a ortografia em vigor e correcta e pedir-lhes que não desistam, pois o país precisa deles!
Dada a actual situação do jornal, optei, com pena, por não renovar a minha assinatura, pelo que peço o favor de suspenderem o envio do mesmo pelo correio. Se, por ventura, vierem a reconsiderar, como sinceramente espero, essa decisão de adoptar o AO90, agradeço que me contactem, para que de novo possa ter o gosto de assinar e ler a “Gazeta da Beira”.
Sem ressentimentos,
Maria José Abranches