De repente, emudeceram as notícias sobre as análises e discussões institucionais à volta do tão polémico Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO), consideradas, mais do ponto de vista político que académico, como da maior importância para a promoção e difusão do Português no Mundo.
O assunto, aparentemente adormecido, parece ter fugido da agenda de prioridades da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), já que o mesmo acabou por não ser retomado na última Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo em Maputo, após os Ministros da Educação da CPLP, em Luanda, por determinação do Conselho de Ministros desta organização internacional, terem concluído, três meses antes, através da Declaração de Luanda, o seguinte:
“A aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 no processo de ensino e aprendizagem revelou a existência de constrangimentos”, pelo que os Ministros da Educação decidiram proceder a um diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 e a “acções conducentes à apresentação de uma proposta de ajustamento do Acordo Ortográfico de 1990, na sequência da apresentação do referido diagnóstico”.
“A aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 no processo de ensino e aprendizagem revelou a existência de constrangimentos”, pelo que os Ministros da Educação decidiram proceder a um diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 e a “acções conducentes à apresentação de uma proposta de ajustamento do Acordo Ortográfico de 1990, na sequência da apresentação do referido diagnóstico”.
Não havendo qualquer cronograma que estabeleça o início e o término para a realização do diagnóstico e não tendo, posteriormente, o Conselho de Ministros e a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, em Maputo, retomado a questão do Acordo Ortográfico nas suas agendas de trabalho, esta polémica questão deixou de ser prioritária e retira qualquer pressão política sobre os países que não o ratificaram ou, mesmo que o tenham feito, ainda não o tenham posto em prática.
Em 15 de Setembro último, tudo se complicou com a posição da Associação Internacional de Escritores (PEN Internacional), ao aprovar, no seu 78º Congresso anual, realizado este ano em Gyeongju (Coreia do Sul), uma Resolução do Comité de Tradução e Direitos Linguísticos, em que o mesmo expressa preocupações quanto ao Acordo Ortográfico de 1990. Os 87 centros presentes, de um total de 144 em mais de 100 países, consideraram o Acordo Ortográfico “um problema complexo”, manifestaram, segundo o PEN Clube Português, evidente preocupação pela ameaça que o mesmo constitui para a própria Língua Portuguesa e expressaram a sua “incredulidade” ao interrogarem-se “como se teria chegado a tal situação”. Também refere a Resolução aprovada pelo PEN Internacional que “os tradutores que, em princípio, não pretendam seguir o Acordo Ortográfico de 1990, se vêem submetidos às imposições administrativas e comerciais”.
Na apresentação do tema, na Coreia do Sul, a presidente do PEN Clube Português, Teresa Salema, manifestou a “preocupação pela situação com que um número crescente de escritores e tradutores se vê confrontado”, nomeadamente pelo facto de muitos não se identificarem com o Acordo Ortográfico de 1990 ou “de deixarem que os seus textos sejam convertidos para uma ortografia que lhes é alheia ou de não verem as suas obras publicadas”.
O PEN Internacional, organização não governamental de escritores de diferentes géneros literários, poetas, novelistas e também jornalistas e historiadores, foi fundado em Londres em 1921, com o objectivo de promover a liberdade de expressão, difundir o papel da literatura na cultura mundial e incentivar a amizade e a cooperação intelectual entre seus membros a nível planetário. É a mais antiga entidade do mundo, criada em defesa da promoção dos direitos humanos e é, também, a mais antiga associação literária de carácter mundial.
Esta Resolução, aprovada por unanimidade, não deixa de ser preocupante para a CPLP, que se rege por princípios assentes no primado dos direitos humanos e é uma organização institucionalizada em redor de uma forte componente cultural, que é a própria Língua Portuguesa. Se, por um lado, o papel do Acordo Ortográfico, no que respeita à unificação gráfica (de todo impossível) já estava posto em causa, agora acaba por se desmistificar também o papel político e cultural do Acordo, quanto à promoção e difusão internacional do próprio idioma. Ainda segundo a Resolução, “tentar centrar uma língua em prioridades administrativas e/ou comerciais é enfraquecê-la ao atacar a sua complexidade e criatividade inata, a fim de promover métodos burocráticos de natureza pública e privada”.
Acrescenta ainda que “no que toca ao inglês, houve tentativas equivalentes para uma aproximação universal no tempo do Império Britânico. Contudo, a força das regiões anglófonas (situação similar à do português) levou a que tais regras tivessem sido quebradas tanto internacional como nacionalmente”. Lê-se também na mesma Resolução: “duvidamos muitíssimo que essa proposta de estandardização produza outros efeitos além de burocratizar os textos usados nas escolas, separando assim os alunos da real criatividade da Língua Portuguesa, nos planos regional e internacional”.
Estas bassulas não ajudam a promover, nem comunitariamente, nem fora da CPLP, um idioma comum a oito países situados em diferentes comunidades regionais. Em vez da fuga em frente, há, evidentemente, a necessidade de se discutir e analisar de forma mais séria e urgente esta questão, que a todos os falantes e escritores da Língua Portuguesa diz respeito.
[Transcrição integral de artigo publicado no "Jornal de Angola" de 25.10.12. "Links", destaques a "bold" e sublinhados inseridos por nós. Conhecimento do artigo através da página Facebook "Tradutores Contra o Acordo Ortográfico".]