dimanche 8 juillet 2012

«À imprensa nacional que se respeita!»

Ex.mos Senhores Directores das publicações:
Público, Correio da Manhã, Jornal i, Sol, Jornal de Negócios, Revista Sábado, O Diabo, Gazeta da Beira, Jornal da Região.

Sou visceralmente contra o Acordo Ortográfico de 1990, porque o conheço e repetidamente analisei, desde que foi publicado no Diário da República (23-8-1991), e porque tenho lido e ouvido muito do que sobre ele se publicou e disse, a favor e contra, desde então. Também sobre ele me tenho publicamente pronunciado em diversas ocasiões, numa luta que encetei em Abril de 2008. Os meus textos, alguns publicados na imprensa, encontram-se quase todos no meu nome (Maria José Abranches), no sítio da Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (http://ilcao.cedilha.net/), que subscrevi e a que activamente aderi, assim que dela tive conhecimento por uma notícia do jornal “Público”.
Porque as publicações que V.ªs Exc.ªs dirigem se respeitam e nos respeitam, ao respeitarem a língua de Portugal, permito-me chamar a V.ª atenção para o meu último texto, “A Herança”, publicado no sítio acima referido em 10 de Junho último, pois ouso acreditar que o empenho e cuidado com que me documentei para o escrever poderão contribuir para uma visão mais global do muito que, para nós portugueses, está neste momento em causa (http://ilcao.cedilha.net/?p=6272#comments).
Aproveito ainda a ocasião para formular algumas perguntas cuja resposta nos deveria interessar a todos, cabendo à comunicação social um papel determinante no sentido de forçar os políticos a definir-se, quebrando os “tabus” que estes, com maior ou menor subtileza, nos querem impor:
- Como se explica que, tendo havido tantas eleições desde 1990, o AO90 nunca tenha sido publicamente discutido no âmbito das campanhas eleitorais? Esta pergunta é ainda mais pertinente no que toca às últimas eleições, a partir de 2009: legislativas, autárquicas, presidenciais e de novo legislativas.
- Porque é que, num momento particularmente difícil para Portugal, como este que atravessamos, o poder político insiste em despojar-nos também da nossa língua, impondo-nos uma ortografia escolhida pelo Brasil, o que favorece a norma brasileira da língua portuguesa, ferindo assim ainda mais profundamente a nossa dignidade? E tudo isto com custos avultados, que ninguém parece interessado em denunciar nem contabilizar…
- Não é estranho que ninguém sinta necessidade de saber a que “pressão” se referia Cavaco Silva, quando declarou, a 22.05.2012, na inauguração da Feira do Livro em Díli (vd. Público”): “Quando fui ao Brasil em 2008, face à pressão que então se fazia sentir no Brasil, o Governo português disse-me que podia e devia anunciar a ratificação do acordo, o que fiz”?!
- Porque é que Portugal entregou o destino da nossa língua à CPLP, onde os nossos Ministros da Educação, normalmente no estrangeiro, decidem do modo como nós e os nossos filhos e descendentes devemos escrever, sem que sejamos ouvidos, consultados, e nem sequer correctamente informados?…
Vem a propósito esta declaração: “Temos de olhar para a CPLP como uma comunidade relativamente atípica porque é a única comunidade linguística em que a potência mais importante não é a antiga potência colonial” – Seixas da Costa, citado por Nuno Pacheco, que acrescenta “(…) porque é a CPLP que se discute. Quem nela pesa, caso do Brasil; e quem nela quer fingir que pesa, caso de Portugal.” (in “A língua, o acordo e uma falsa unidade ditada pela política”, “Público”, 16 de Abril de 2008).
- Quem está preocupado com o desastre do ensino do Português, há muito visivelmente nas mãos de um “lobby” enquistado no Ministério da Educação? E porque não há verbas para o ensino da nossa língua junto das comunidades de portugueses espalhadas pelo mundo? Mas atenção: a campanha de implementação do AO90, nomeadamente graças às inúmeras acções de formação desenvolvidas, ao mercado dos novos manuais, à sua divulgação pela RTP, tem sido conduzida com invulgar vigor, e dispêndio pouco consentâneo com a “crise” que atravessamos!…
- Como foi ainda possível que os promotores do AO90 pusessem a circular – sem suscitar reacções inteligentes – uma série de enormidades que acriticamente se vão por aí repetindo, inclusivamente com a colaboração de alguns jornais, ainda há bem pouco tempo prestigiados? Muitos destes aspectos são devidamente equacionados no meu texto “A Herança”, pelo que aqui me limito a enumerá-los:
- as línguas evoluem (e até retrocedem, visto que nos querem obrigar a escrever como se faz no Brasil desde 1943 – sem esquecer que o português do Brasil tem características arcaicas, que nós já perdemos…); não somos os donos da língua (pois não; por isso nos está vedado amputá-la e desfigurá-la a pretexto de a tornar mais “vendável”); quem se opõe ao Acordo é reaccionário, “Velho do Restelo”, retrógrado, antiquado (o tique do costume: o importante são “os colarinhos à moda”); já houve outras reformas da ortografia, e também elas suscitaram resistências (“reforma” não é “acordo”) ; português antigo (expressão usada para referir a ortografia que continua em vigor e nos vem de 1945); este Acordo visa a uniformização indispensável ao prestígio internacional da língua portuguesa (o que obviamente não resiste à análise mais superficial); sem este AO, o português dito “europeu” ficará uma língua residual, como o mirandês ( para além da falta de respeito pelas línguas em geral, isto denota sobretudo ignorância…)…
Nesta enumeração incompleta dos dislates que têm servido de apoio ao AO90, quero ainda recordar a palavra sábia do ex-Ministro da Cultura, Pinto Ribeiro: “Nós afirmamo-nos enquanto identidade e enquanto povo através da língua que falamos e da expansão que demos a essa língua. Neste momento, o número de falantes do português andará pelos 230, 240, 250 milhões. Mas desses 250 milhões, 200 milhões são brasileiros. E eles eram apenas 70 milhões em 1960. De 1960 para 2008 triplicaram, e isso significa fazer 130 milhões de falantes do português, mais do que nós fizemos em todo o nosso passado.” (in entrevista ao “Público”, 04/02/2009; o destaque é meu)
Mas os abissais e insondáveis conhecimentos linguísticos dos políticos não param de nos surpreender: veja-se a Lei Nº 12.605, de 3 de Abril de 2012, proclamada pela “Presidenta” do Brasil, e que “Determina o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas” – sem comentários!
Termino, com o meu mais profundo agradecimento à imprensa portuguesa que continua a defender lúcida e corajosamente a dignidade da língua de Portugal, e com um vibrante apelo a que se não poupe a esforços para fazer ouvir a voz dos portugueses, que o poder político tem ignorado e, por todos os meios, tem procurado silenciar!
Os meus cumprimentos,
Maria José Abranches Gonçalves dos Santos



Mensagem recebida por email, da autora, com autorização de publicação, também publicada no Site da ILC: http://ilcao.cedilha.net/?p=6499#comments