1
O Equador é um estado latino-americano, voltado para o Pacífico, a
que pertencem as célebres ilhas Galápagos. Tem quatro vezes a
extensão de Portugal mas é talvez dos países mais pequenos da
América Latina.
A
capital, Quito, fica num dos pontos mais altos do país e é uma
cidade de extrema beleza, que visitei duas ou três vezes.
O
seu presidente Rafael Correa é um político progressista, que tem
dado à população mais pobre do Equador um grande impulso. É
respeitado e popular. Mas o Equador é dotado de petróleo, o que tem
sido, de certo modo, uma desgraça para o país.
Isso
faz-me lembrar o tempo do salazarismo, em que um ministro, muito
alegre, veio dar ao ditador a notícia de que havia petróleo em
Angola. E Salazar levou as mãos à cabeça e comentou: "Que
outra desgraça havia de nos acontecer..."
Vem
isto a propósito de que no Equador houve uma petrolífera americana
de
nome Chevron/Texaco, que entre 1964 e 1992 desenvolveu as suas
atividades
nas províncias de Sucumbios e de Orellana, na região
amazónica, uma das zonas
com maior biodiversidade do planeta.
A
Texaco, ao que me dizem, derramou cerca de 71 milhões de resíduos
de
petróleo e 64 milhões de petróleo em bruto em mais de dois
milhões de hectares
na Amazónia equatoriana, tal como determinou um
tribunal equatoriano, depois
de nove anos de processo judicial.
Este
desastre ambiental - e é de um desastre ambiental que se trata - foi
85 vezes maior do que o derrame da British-Petroleum no golfo do
México e 18 vezes maior do que o do Exxon Valdez no Alasca.
Trata-se
de uma catástrofe que podia ser evitada facilmente se a petrolífera
não tivesse sido irresponsável e não tivesse utilizado - para
gastar menos - técnicas obsoletas. A Chevron/Texaco, ao que parece,
violou o contrato de exploração que se comprometia a utilizar
tecnologias de reinjecção segura dos resíduos tóxicos no subsolo.
Para quê? Para maximizar os seus enormes benefícios económicos,
utilizando no Equador uma tecnologia que já não era utilizada nos
Estados Unidos e que a empresa, tendo prometido diminuir o impacto
negativo das operações hidrocarboríferas, não fez. Se assim
tivesse acontecido tinha evitado a contaminação no Equador.
Mas
a Chevron/Texaco fugiu às suas prometidas obrigações ambientais e
foi condenada a pagar uma indemnização de 9,6 mil milhões de
dólares e não cumpriu. Além disso, escondeu muitas piscinas de
resíduos tóxicos, cobrindo--as com capas superficiais e deixando-as
no mesmo estado contaminado, o que tem sido um mal para o povo
equatoriano. A empresa petrolífera processou o Estado equatoriano,
quando este nunca teve nada que ver com o assunto.
A
verdade é que a União das Nações Sul-americanas expressou a sua
solidariedade com o povo e o Estado do Equador, vítimas de campanhas
desprestigiantes.
O
petróleo é sem dúvida nenhuma de grande importância, mas quando
só se
veem os negócios e o dinheiro e se desprezam as pessoas e os
Estados, tudo
vai mal. E os Estados Unidos ficaram desclassificados.
Pobre Barack Obama que,
numa causa destas, não tem qualquer culpa no
cartório. Mas tudo lhe cai em
cima.
2 VIDAS
COM SENTIDO
Permitam-me
que vos fale da Fundação que represento e que chame a vossa atenção
para a série de conferências intitulada "Vidas com Sentido",
relativas a todos os dirigentes do Partido Socialista já falecidos.
Foram
pessoas de grande qualidade humana, política e ética, que nunca se
apropriaram de dinheiros públicos, apesar de terem exercido altos
cargos. Estadistas que gastaram o seu próprio dinheiro com o partido
e foram sempre impolutos. Todos tiveram a preocupação de que ser
estadista nada tem que ver com negócios. Antes pelo contrário. Os
homens de negócios não devem ser estadistas, porque isso implica
uma contradição nos termos...
Essas
sessões de homenagem são feitas às quintas-feiras às 18h00, tendo
começado por Francisco Ramos da Costa, economista, diplomata e
grande militante antifascista; Raul Rêgo, jornalista, Pena de Ouro,
que lhe foi atribuída na Europa pelo caso do jornal República, que
ele dirigia e onde ficou sequestrado com os outros jornalistas no
chamado "Caso República"; o nosso presidente querido
Fernando Valle, que dirigiu com António Arnaut o Congresso, onde a
Acção Socialista se transformou em Partido Socialista; e,
ultimamente, Manuel Mendes que infelizmente morreu antes do 25 de
Abril e não chegou a ser do PS mas apenas da Acção Socialista, e
que se bateu na guerra civil de Espanha, ao lado dos republicanos,
assaltou a esquadra onde é hoje a Faculdade de Economia e Finanças
de Lisboa, para libertar da prisão o diretor da Fazenda Pública que
teve a audácia de fazer entrar os primeiros tanques militares que
houve em Portugal, para uma revolução antissalazarista, como muitas
outras infelizmente frustrada. Foi um verdadeiro seareiro (da revista
Seara Nova) e um autor consagrado de romances, contos, biografias e
também de escultura e artes plásticas. Hoje, está quase esquecido.
O
próximo, na quinta-feira, dia 7, será o advogado e ex-ministro da
Justiça e das
Finanças (como Afonso Costa, lembrei-lhe eu muitas
vezes), Salgado Zenha,
apresentado pelo Presidente Jorge Sampaio.
Estas
homenagens a personalidades já falecidas e que tudo fizeram pela
Pátria, pela República e pelo socialismo democrático, sem receber
nada em troca, sublinho, vão-se prolongar para o próximo ano.
Falamos de verdadeiros estadistas ética e humanamente impolutos e
que, quanto a mim, merecem ser uma referência para as novas
gerações.
A
verdade é que nos últimos dois anos e meio a política confunde-se,
cada vez mais, com os negócios e por isso é fácil, a quem não
tenha conhecimento de causa, julgar que todos os políticos são uns
trafulhas ou simples negociantes.
Numa
época de crise em que tanta gente é obrigada a emigrar de Portugal
e nem sequer tem dinheiro para dar de comer aos filhos, pode
generalizar-se a ideia de que os políticos são todos uns gatunos.
Ora não são. Há políticos que são (e foram) homens de Estado e
um exemplo do que deve ser um político que ama a sua Pátria e o
povo a que pertence.
3 JOHN
KENNEDY
Faz
cinquenta anos que foi assassinado John Kennedy, um político
americano,democrático, ilustre Presidente eleito dos Estados
Unidos, queentusiasmou o mundo e mesmo personalidades difíceis como
De Gaulle, queorecebeu em Paris com extremo respeito e admiração
e muitos outros stadistas e ferentes países.Fui,
sem o conhecer, um grande admirador de John Kennedy, que sempre me
pareceu um exemplo de democrata, de homem progressista e com grandes
valores éticos.
Lembro-me
bem do momento em que a notícia do seu assassinato chegou. Era então
um jovem advogado e foi uma jornalista americana, do New York Times,
correspondente em Portugal, Marvine Howe, que me informou. Fiquei
verdadeiramente sem saber o que dizer e fazer. Foi algo que me
impressionou e marcou imenso, para a vida inteira. Sobretudo porque
depois da morte de John Kennedy foi também assassinado o seu irmão
e conselheiro fiel, Robert Kennedy, candidato a Presidente, como o
seu irmão.
Como
é possível que um homem na flor da idade, católico praticante (o
que era raro nesse tempo nos Estados Unidos), e de uma família
daquela qualidade, ter sido morto e logo a seguir os assassinos terem
repetido a dose matando o seu irmão, igualmente uma pessoa de enorme
gabarito?
Pareceu-me
qualquer coisa como se a América tivesse desaparecido, bem como a
democracia e o progresso, pelos quais eu, na minha modéstia, também
lutava.
Passaram
cinquenta anos e a imprensa mundial, que eu saiba, pouco tem falado
dos Kennedy. Houve mais assassinatos, embora diferentes, como o de
Martin
Luther King, herói contra o racismo e pela unidade de todos
os americanos e por
isso Prémio Nobel da Paz.
É
possível que as mortes dos Kennedy, tivessem que ver com a crise dos
mísseis de Cuba e o princípio da Guerra Fria, com a construção do
Muro de Berlim (que anos depois visitei e me fez uma imensa
impressão) e o conflito aceso entre soviéticos e americanos. Estava
então a começar a guerra do Vietname...
Kennedy,
assassinado a 22 de Novembro de 1963, foi um extraordinário
Presidente dos Estados Unidos da América, como hoje é unanimemente
reconhecido, mesmo por alguns republicanos.
4 PORTAS
QUER SER E NÃO SER AO MESMO TEMPO
O
texto longo e confuso que Portas leu na sexta--feira passada e que
não faz qualquer sentido, como escreveu Vasco Pulido Valente, é
realmente, como disse Pacheco Pereira, "um manual para ler no
vazio". Porque, cito, "este papel de Portas não foi tomado
a sério por ninguém a começar pelos seus colegas do Governo"...
Vi
e ouvi, com bastante esforço, o discurso que proferiu, muito bem
vestidinho,
como sempre e com grandes sorrisos, mas confesso que
apesar de me esforçar
por estar atento, quase não compreendi coisa
nenhuma. Era de facto, um guião
ou melhor, uma salganhada - sem
qualquer sentido.
Tinha
de apresentar o guião porque o prometera fazer há longos meses. Mas
aproveitou para dizer tudo ao contrário do que desejaria o seu
patrono Passos Coelho, que quando fala no sócio não lhe é nada
favorável.
Realmente
são duas pessoas que não se entendem, mas que se esforçam por
estar juntos para não terem de se demitir ambas. Aliás, quem lhes
vale é quem os comanda, ou seja, o eterno protetor de ambos: o
Presidente da República. Se não fosse essa proteção - que ninguém
entende - como é que conseguiriam conviver juntas?
Recentemente,
um grande fadista português, seguramente o maior e mais respeitado
de todos, Carlos do Carmo, teve a coragem de dizer o que pensa do
Presidente da República, e não usou palavras brandas como toda a
gente notou e ouviu.
Por
mais que façamos, tudo tem que ver com a mesma pessoa. Chama-se
Aníbal Cavaco Silva. Como é que um Presidente, a quem ainda faltam
dois anos para o fim do seu mandato, não é capaz de se libertar de
um Governo, completamente paralisado, sem rei nem roque, e
principalmente de duas pessoas que não se entendem entre si e só
existem juntas porque ele as mantém? Tem razão Carlos do Carmo.
O
Presidente não quer - ou não pode por razões que se ignoram -
perceber que
se ficar até ao fim e assim continuar, ficará para
todo o tempo com o ferrete do
ódio popular, de norte a sul do País.
O
discurso de Portas - Guião para a Reforma do Estado - é com efeito
algo de irresponsável e que ninguém consciente pode tomar a sério.
Com discursos como este está a destruir o seu próprio partido - e o
pouco que resta do seu prestígio. A tentar ao mesmo tempo que se
volte de novo à austeridade (o que ele não quis no passado), quando
a troika e o próprio Governo de Passos Coelho assim o querem. Mas
Portas disse já isso e o seu contrário. O partido dele está cada
vez mais a definhar e o próprio líder todos os dias mais
desqualificado... Para quê? Pela vaidade insuportável de Portas ou
por medo de que lhe atirem à cara, como o caso dos submarinos, que
até agora não foi esclarecido. Portas, não tem nada que fazer.
Quem manda é a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, de
quem Portas não gosta nada. Como de Passos Coelho. Mas a tragédia é
que não se podem separar, porque perdiam a maioria, e os lugares.
O
mais estranho é que os outros ministros também fiquem calados, sem
protesto, sem qualquer comentário, porque também não têm coragem
de se demitir apesar de saberem que se o não fazem ficam igualmente
com um ferrete, que nunca mais desaparecerá.
In
DN, por MÁRIO SOARES