mercredi 28 décembre 2011

A trapeira do Job

Isto que eu vou dizer vai parecer ridículo a muita gente.
Mas houve um tempo em que as pessoas se lembravam ainda, da época da infância, da primeira caneta de tinta permanente, da primeira bicicleta, da idade adulta, das vezes em que se comia fora, do primeiro frigorífico e do primeiro televisor, do primeiro rádio, de quando tinham ido ao estrangeiro.
Houve um tempo em que, nos lares, se aproveitava para a refeição seguinte o sobejante da refeição anterior, em que, com ovos mexidos e a carne ou peixe restante se fazia "roupa velha". Tempos em que as camisas iam a mudar o colarinho e os punhos do avesso, assim como os casacos, e se tingia a roupa usada, tempos em que se punham meias solas com protectores. Tempos em que ao mudar-se de sala se apagava a luz, tempos em que se guardava o "fatinho de ver a Deus e à sua Joana".
E não era só no Portugal da mesquinhez salazarista. Na Inglaterra dos Lordes, na França dos Luíses, a regra era esta. Em 1945 passava-se fome na Europa, a guerra matara milhões e arrasara tudo quanto a selvajaria humana pode arrasar.
Houve tempos em que se produzia o que se comia e se exportava. Em que o País tinha uma frota de marinha mercante, fábricas, vinhas, searas.
Veio depois o admirável mundo novo do crédito. Os novos pais tinham como filhos, uns pivetes tiranos, exigindo malcriadamente o último modelo de mil e um gadgets e seus consumíveis, porque os filhos dos outros também tinham. Pais que se enforcavam por carrões de brutal cilindrada para os encravarem no lodo do trânsito e mostrarem que tinham aquela extensão motorizada da sua potência genital. Passou a ser tempo de gente em que era questão de pedigree viver no condomínio fechado e sobretudo dizê-lo, em que luxuosas revistas instigavam em couché os feios a serem bonitos, à conta de spas e de marcas, assim se visse a etiqueta, em que a beautiful people era o símbolo de status como a língua nos cães para a sua raça.
Foram anos em que o campo se tornou num imenso ressort de turismo de habitação, as cidades uma festa permanente, entre o coktail party e a rave. Houve quem pensasse até que um dia os serviços seriam o único emprego futuro ou com futuro.
O país que produzia o que comíamos ficou para os labregos dos pais e primos parolos, de quem os citadinos se envergonhavam, salvo quando regressavam à cidade, vindos dos fins de semana com a mala do carro atulhada do que não lhes custara a cavar e, às vezes, nem obrigado.
O país que produzia o que se podia transaccionar esse ficou com o operariado da ferrugem, empacotados como gado em dormitórios e que os víamos chegar, mortos de sono logo à hora de acordarem, as casas verdadeiras bombas relógio de raiva contida, descarregada nos cônjuges, nos filhos, na idiotização que a TV tornou negócio.
Sob o oásis dos edifícios em vidro, miragem de cristal, vivia o mundo subterrâneo de quantos aguentaram isto enquanto puderam, a sub-gente.
Os intelectuais burgueses teorizavam, ganzados de alucinação, que o conceito de classes sociais tinha desaparecido. A teoria geral dos sistemas supunha que o real era apenas uma noção, a teoria da informação substituía os cavalos-força da maquinaria industrial pelosmegabytes de RAM da computação universal. Um dia os computadores tudo fariam, o ser humano tornava-se um acidente no barro de um oleiro velho e tresloucado, que caído do Céu, morrera pregado a dois paus, e que julgava chamar-se Deus, confundindo-se com o seu filho ungénito e mais uma trinitária pomba.
Às tantas os da cidade começaram a notar que não havia portugueses a servir à mesa, porque estávamos a importar brasileiros, que não havia portugueses nas obras, porque estávamos a importar negros e eslavos.
A chegada das lojas dos trezentos já era alarme de que se estava a viver de pexibeque, mas a folia continuava. A essas sucedeu a vaga das lojas chinesas, porque já só havia para comprar «balato». Mas o festim prosseguia e à sexta-feira as filas de trânsito em Lisboa eram o caos e até ao dia quinze os táxis não tinham mãos a medir.
Fora disto, os ricos, os muito ricos, viram chegar os novos ricos. O ganhão alentejano viu sumir o velho latifundário absentista, trocado pelo novo turista absentista com o mesmo monte mais a piscina e seus amigos, intelectuais claro, e sempre pela reforma agrária e vai um uísque de malte, sempre ao lado do povo e já leu o New Yorker?
A agiotagem financeira essa ululava. Viviam do tempo, exploravam o tempo, do tempo que só ao tal Deus pertencia mas, esse, Nietzsche encontrara-o morto em Auschwitz. Veio o crédito ao consumo, a conta-ordenado, veio tudo quanto pudesse ser o ter sem pagar. Porque nenhum banco quer que lhe devolvam o capital mutuado quer é esticar ao máximo o lucro que esse capital rende.
Aguilhoando pela publicidade enganosa os bois, que somos nós todos, os bancos instigavam à compra, ao leasing, ao renting ao seja como for desde que tenha e já, ao cartão, ao descoberto autorizado.
Tudo quanto era vedeta deu a cara, sendo actor, as pernas, sendo futebolista, ou o que vocês sabem, sendo o que vocês adivinham, para aconselhar-nos a ir àquele balcão bancário buscar dinheiro, vender-mo-nos ao dinheiro, enforcar-mo-nos na figueira infernal do dinheiro. Satanás ria. O Inferno começava na terra.
Claro que os da política do poder, que vivem no pau de sebo perpétuo do fazear arrear, puxando-os pelos fundilhos, quantos treparam para o mando, querem a canalha contente. E o circo do consumo, a palhaçada do crédito servia-os. Com isso comprávamos os plasmas mamutes onde eles vendiam à noite propaganda governamental, e nos intervalos, imbelicidades e telefofocadas que entre a oligofrenia e a debilidade mental a diferença é nula. E contentes, cretinamente contentinhos, os portugueses tinham como tema de conversa a telenovela da noite, o jogo de futebol do dia e da noite e os comentários políticos dos "analistas" que poupavam os nossos miolos de pensarem, pensando por nós.
Estamos nisto.
Este fim de semana a Grécia pode cair. Com ela a Europa.
Que interessa? O Império Romano já caiu também e o mundo não acabou. Nessa altura em Bizâncio discutia-se o sexo dos anjos. Talvez porque Deus se tivesse distraído com a questão teológica, talvez porque o Diabo tenha ganho aos dados a alma do pobre Job na sua trapeira. O Job que somos grande parte de nós.

PUBLICADA POR JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS (via e-mail)

mercredi 14 décembre 2011

Alguma vez o Primeiro ministro terá razão

Acabo de ler no Económico do dia 4/12/2011 um artigo que transcreve algumas afirmações e considerações do Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho, intitulado: “Crise portuguesa não é culpa de Sarkozy ou Merkel”, que começa dizendo que “Passos Coelho defende um Governo económico europeu e retira culpas a Merkel e Sarkozy no caso português” e que afirmou hoje, no Porto, que a crise portuguesa “não é culpa do senhor Sarkozy ou da senhora Merkel”, apoiando os dois líderes europeus “na defesa de um reforço da liderança económica europeia”.

Passos Coelho acha natural que os países “indisciplinados que colocam em risco outros”, entendam que os mais ricos que emprestam dinheiro exijam garantias. Nada disto me choca. Não me surpreende também que o Primeiro Ministro afirme que em Portugal, quem tem a culpa da crise não é Merkel nem Sarkozy, mas sim quem conduziu Portugal até aqui. Não me admira a lição de moral, ao dizer que “era bom que, aqueles que contribuíram por acção ou omissão para esta dívida e esta ilusão, tivessem a humildade de reconhecer que a culpa do que se está a passar em Portugal não é do senhor Sarkozy, nem da senhora Merkel nem da Europa”. Concluindo que “foi de todos quantos prosseguiram um modelo de desenvolvimento que não era realista nem ajustado nem justo”. Até parece à primeira vista que o Senhor Primeiro Ministro tem razão, falta no entanto clarificar um pouco o seu discurso. Se a culpa é do “modelo de desenvolvimento” também é da Europa e mesmo de muito mais longe, pois o modelo vivido nestes últimos anos, nomeadamente desde 2008, não é Português mas sim universal. Quanto aos líderes da França e da Alemanha, como os outros líderes, têm culpa de: primeiro terem aplicado o modelo que “não era realista, nem ajustado, nem justo”, causador de consequências desastrosas para milhões de Europeus; depois porque desde o início da crise levaram mais que tempo a propor soluções, refiro-me aqui às culpas de Merkel e Sarkozy, os outros têm culpa de não terem feito nada para emendar os erros... Para ficarmos ainda mais esclarecidos gostava de saber a quem se refere o Dr. Passos Coelho quando fala de “quem conduziu Portugal até aqui”. Será do seu predecessor? Ou dos seus predecessores? A segunda hipótese parece-me a boa, pois convém que ninguém esqueça quem governou Portugal de há vinte anos a esta data. Para memória:

Primeiros Ministros:

1985-1995, Dr. Cavaco Silva; 1995- 2001, Dr. Durão Barroso e Dr. Santana Lopes;

Presidente da República:

2006-2011, Dr. Cavaco Silva.

Se atendermos que o melhor período de crescimento, foi no Governo socialista de António Guterres (1995 a 1999) e que na governação Sócrates a situação só se agravou em 2008 com o despoletar da crise mundial. Parece-me que a recomendação da humildade tem de ser muito bem reflectida para evitar o ridículo.
Já não estamos em campanha eleitoral!

In Lusojornal du 14/12/2012, por Aurélio Pinto

lundi 5 décembre 2011

Ensino do Português como língua materna ameaçado!

(…)

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada

Que de longe muito longe um povo a trouxe

E nela pôs sua alma confiada

(…)

Com Fúria e Raiva, Sophia de Mello Breyner Andresen

Porque é preciso recordar e relacionar: as coisas não acontecem de súbito nem por acaso!

Estas opções políticas relativas ao ensino do Português no estrangeiro, que se traduzem nos cortes de cursos e despedimentos sumários de professores, ultimamente noticiados, não decorrem da crise política que agora atravessamos. São antes o resultado de escolhas e decisões que vêm sendo ponderadamente implementadas há vários anos, e cujo objectivo dá pelo nome de “internacionalização” da língua portuguesa. Este grandioso projecto tem como instrumento incontornável o Acordo Ortográfico de 1990, reactivado graças às astúcias, muito pouco democráticas, do “Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (CPLP, São Tomé, Julho de 2004), aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de Maio de 2008.

Contrariamente ao que dizem os seus defensores, este Acordo não contribui para uma – visivelmente impossível – “ortografia unificada”, antes subalterniza a ortografia do português de Portugal, impondo-lhe, sobretudo no que toca às consoantes ditas “mudas”, as opções, já antigas, feitas pelo Brasil (1943), de acordo com a pronúncia brasileira, bem diferente da nossa. Ora esta diferença, que todos “ouvimos”, resulta de dois sistemas vocálicos inconfundíveis. Daí que só por má-fé se possa invocar, nesta matéria, o critério da pronúncia! É a ditadura uniformizadora do maior número, a pior inimiga da diversidade cultural e linguística da humanidade! E o objectivo final deste Acordo é, de facto, facilitar a “internacionalização” da língua portuguesa, mas na sua versão brasileira, à custa da vandalização e, a termo, da liquidação da nossa língua materna. Basta ver o percurso e o papel da CPLP em todo este processo!

Neste contexto, compreende-se que o ensino da sua língua aos portugueses, em Portugal e no estrangeiro, aos nossos emigrantes e luso-descendentes, não tenha grande significado. No país, a prioridade é a aplicação do Acordo Ortográfico, assim desmantelando irresponsavelmente os esforços de alfabetização levados a cabo nas últimas décadas! No estrangeiro, é a redução drástica do número de professores e de cursos destinados a ensinar a nossa língua materna àqueles que a ela têm direito! Deixo a Carlos Reis, grande defensor deste Acordo, a tarefa de confirmar o que tenho vindo a dizer:

“ (…) em espaços em que as comunidades portuguesas registam uma presença importante, será de encarar com cautela e em termos devidamente ponderados a possibilidade de articular acções com os seus representantes, já que a actuação daquelas comunidades se fixa sobretudo na questão do ensino do Português como língua materna, o que escassamente corresponde às preocupações de uma política de internacionalização do idioma. (in Entrevista ao JL de 16-29 de Julho de 2008; o sublinhado é meu)

Em suma, é urgente reagir, pois, contrariamente ao que se diz por aí, ainda estamos muito a tempo de o fazer! É preciso saber e divulgar: há seis anos para a entrada em vigor generalizada do Acordo (Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008), a contar de 13 de Maio de 2009, data do depósito do “instrumento de ratificação” do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (MNE, Aviso n.º255/2010).

Defendamos o nosso direito, enquanto portugueses, ao respeito pela nossa língua materna, em Portugal e no estrangeiro! Recusemos o Acordo Ortográfico, concebido para servir interesses políticos e económicos, que não são os do povo português, e que nos inferioriza e desrespeita, assim como aos nossos descendentes, herdeiros da nossa língua!

Aproveito para comunicar que está na Internet uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, que recolhe assinaturas de cidadãos eleitores (em papel; 35000 necessárias), para apresentar na Assembleia da República um “Projecto de Lei de revogação da Resolução da Assembleia da República n.º35/2008”, já referida acima: www.ilcao.cedilha.net

Resta-me dizer que falo com conhecimento de causa: por ter lido e analisado não só o próprio Acordo e a legislação que lhe diz respeito, mas também muito do que sobre estas questões se tem publicado; e pela minha própria experiência profissional e humana - professora de Português (e Francês), no ensino secundário, reformada desde 2006, vivi 15 anos em Paris (1965-1980), tendo aí ensinado a nossa língua, durante oito anos, na Universidade de Paris III.

Termino como comecei, com Sophia de Mello Breyner Andresen, A Palavra:

(…)

«Um homem pode enganar-se em sua parte de alimento

Mas não pode

Enganar-se na sua parte de palavra»

Lagos, 05 Dezembro 2011

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

vendredi 2 décembre 2011

Afirmações e reacções!

Afirmações

Extracto da entrevista de Francisco José Viegas ao “Correio da Manhã”, 20 Out. 2011:

"ACORDO ORTOGRÁFICO DÁ CONFIGURAÇÃO MAIS PODEROSA À LÍNGUA"

- O Acordo Ortográfico é irreversível?

- Nas actuais circunstâncias, penso que sim. Mas o facto de ser irreversível não quer dizer que não seja corrigível.

- Sente muito entusiasmo em Portugal pelo Acordo Ortográfico?

- Não, não sinto. Pessoalmente, acho que teria sido melhor se tivesse sido possível não começar a discutir o Acordo Ortográfico. Mas como o fizemos é preferível aproveitar o que tem de bom: dá uma configuração mais poderosa à língua portuguesa.

- Sob o comando do Brasil...

- Daqui a uns anos o português de Portugal desaparecerá da Internet, engolido pela variante mais forte, que é o português de Brasil. É preferível assumir que essa situação existe e tentar fazer o melhor.

Não o ofende ler palavras como "atividade" ou "espetáculo"?

- Ofende-me mais quando as pessoas dão erros de ortografia evidentes, que resultam de má aprendizagem, desconhecimento, ignorância e desinteresse pelo português. O Acordo não é uma derrota para ninguém, mas também me parece que muitas pessoas que agora estão preocupadas com algumas figuras ortográficas não se preocuparam ao longo dos últimos 20 anos com a desgraça nos rodapés das televisões, nos cabeçalhos dos jornais, na escola... A certa altura o Ministério da Educação deu indicações para não serem tidos em conta os erros ortográficos numa prova escrita de Português.

...

Reacções

Li a entrevista de FJV. Resumindo, as grandes linhas da política “nacional” para a língua materna dos portugueses são:

- O Acordo Ortográfico, que é “irreversível”, mas “corrigível”. (Daí que logicamente e com toda a honestidade esteja já em aplicação nas escolas e em breve na administração pública…).

- Como o AO já está aí, “é preferível aproveitar o que tem de bom: dá uma configuração mais poderosa à língua portuguesa.” (O que isto possa significar em termos linguísticos ou outros não se vislumbra…).

- “Daqui a uns anos o português de Portugal desaparecerá da Internet, engolido pela variante mais forte, que é o português do Brasil. (Grande desígnio nacional, defendido publicamente, sem complexos! …).

- “É preferível assumir que essa situação existe e tentar fazer o melhor.” (Isto é, sejamos pragmáticos: vamos dar uma ajuda, pois o mais fácil é macaquearmos a ortografia do Brasil, para parecermos brasileiros e mais rapidamente desaparecermos…).

Ao serviço desta causa “nacional”, a Secretaria de Estado da Cultura também “apoia” (isto significa o quê?) essa colecção que por aí anda, destinada a massacrar os nossos clássicos!

Portugal no seu melhor!

MJ Abranches


Porque é que Portugal fecha consulados?


Quando é generalizada a convicção de que estamos a assistir à maior vaga de emigração de portugueses após o 25 de Abril de 1974, Portugal continua a encerrar consulados que integram a sua débil estrutura de representação no estrangeiro.

Isso poderia fazer algum sentido se a União Europeia fosse um projecto sólido, em vez de se afirmar, cada vez mais, como um projecto em crise. Aliás, se os Estados da União acreditassem no projecto já teriam, todos eles, reduzido as respectivas representações nos estado que integram a União; e isso não aconteceu.

Mesmo no que se refere à protecção consular externa, prevista nos tratados, a experiência tem demonstrado imensas dificuldades. As repartições portuguesas não aceitam, por regra, documentos legalizados por outros consulados, de países da União Europeia, em países nos quais Portugal não tenham representação.

Perguntamos no titulo por que razão, sendo sensível o crescimento da emigração portuguesa, Portugal continua a desbaratar a sua débil estrutura consular.

A justificação já foi assumida, de forma inequívoca, pelos responsáveis políticos, como derivando da falta de recursos, no quadro de dificuldades que o país enfrenta.

Essa é uma meia verdade, para não se dizer que é uma enorme mentira.

O grosso das receitas consulares reside no emolumentos, que são, actualmente, de valor muito elevado.

As politicas emolumentares dos registos e do notariado foram redesenhadas há alguns anos no sentido de fazer corresponder os emolumentos aos custos efectivos dos actos, em termos que permitam o seu processamento de forma perfeita.

Lê-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, que aprovou o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado que «a tributação emolumentar constituirá a retribuição dos actos praticados e será calculada com base no custo efectivo do serviço prestado, tendo em consideração a natureza dos actos, a sua complexidade e o valor da sua utilidade económico-social».

Essa seria razão suficiente para que as receitas dos consulados – pagas pelos utentes – se destinassem a suportar os custos da própria rede consular que, para além dos serviços que presta, satisfaz necessidades de participação passiva, cuja importância não pode substimar-se.

Ora, o que acontece é que todos os recursos gerados pelos consulados são, literalmente, «desviados» para uma outra entidade, que satisfaz outros interesses, que não são os dos utentes.

O Fundo para as Relações Internacionais (FRI) foi criado pelo nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/1994, de 24 de Fevereiro e viu a sua orgânica estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 59/94, de 24 de Fevereiro.

Lê-se no preâmbulo deste diploma, que transforma o FRI numa autêntica desnatadeira da rede consular:

«O FRI é uma entidade dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial que assegura a arrecadação e gestão das receitas de natureza emolumentar cobradas nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

A actividade do FRI desenvolver-se-á, preferencialmente, no financiamento das acções de formação dos funcionários diplomáticos, na modernização dos serviços externos, bem como no apoio a estudos e trabalhos de investigação relevantes no quadro das relações internacionais.»

O artº 2º estabelece as atribuições do FRI, nos termos seguintes:

«São atribuições do FRI:

a) Apoiar as acções de modernização dos serviços externos;

b) Satisfazer os encargos ocasionados por acções extraordinárias de política externa;

c) Comparticipar em acções de natureza social promovidas por entidades de natureza associativa, visando o apoio aos agentes das relações internacionais;

d) Apoiar acções de formação e conceder subsídios e bolsas a entidades, públicas e privadas, nacionais ou estrangeiras, no âmbito da política definida em matéria de relações internacionais.»

O Fundo é gerido por um conselho de direcção constituído pelo secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que preside, pelo director-geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas e pelo director do Departamento Geral de Administração.

As suas receitas são, nos termos do artº 9º:

a) Os emolumentos consulares cobrados nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;

b) Os saldos de gerência de anos anteriores;

c) O produto de doações, heranças e legados;

d) Outras receitas não discriminadas.

Para além de abarbatar toda a receita emolumentar dos consulados, o FRI ainda se aboleta com os saldos que as representações externas do MNE consigam ter no fim de cada ano.

O Fundo para as Relações Internacionais é uma das repartições menos transparentes da administração pública, nomeadamente porque pode gerar «despesas classificadas» por simples aposição de duas assinaturas.

Contam-se, em meios bem informados, as histórias mais escabrosas relativas à utilização dos recursos deste fundo, formatado por Durão e Cavaco Silva e lançado com os saldos das contas emolumentares dos consulados, a que se referia o
Decreto-Lei Nº 46641, de 13 de Novembro de 1965, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei Nº 633/1970, de 22 de Dezembro.

Os sucessivos governantes, que têm passado pelo MNE, têm-se portado, unanimemente, como uns «castrati», incapazes de pôr termo a esta pouca vergonha.

Se o fizessem e pusessem termo ao desvio das verbas dos consulados, talvez não tivessem que os fechar.

Os consulados são um negócio altamente lucrativo para o Estado. Mas não há nenhum negócio que possa ter lucros se lhe abarbatarem as receitas.

In MR ( http://www.lawrei.eu/mranewsletter/?p=4806 )