mardi 29 novembre 2011

Em Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro

Exmos. Senhores

Para divulgação, remeto, em ficheiro anexo, o texto da tomada de posição pública

do Colectivo para a Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro recentemente

constituído em França.

Este documento foi já enviado ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, ao Secretário

de Estado das Comunidades Portuguesas, à Presidente do Instituto Camões e

a todos os Grupos Parlamentares da Assembleia da República.

Em reunião, realizada recentemente, o mesmo Colectivo decidiu promover um

abaixo-assinado, que será posto a circular no início da semana.

Entretanto, uma delegação do Colectivo para a Defesa do Ensino do Português

no Estrangeiro será recebida pelo Embaixador de Portugal em França, Dr. Seixas

da Costa, na próxima terça-feira, dia 29 de Novembro, às 17,30 horas.

Certo da melhor atenção, apresento os meus melhores cumprimentos.

Raul Lopes

Membro do Colectivo para a Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro

Presidente da Associação Portuguesa Cultural e Social de Garches



Em Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro

1. O Colectivo para a Defesa do Ensino do Português

no Estrangeiro, reunido a 24 de Novembro em

Paris, considera que as medidas levadas a cabo

pelo Governo de Portugal visam a eliminação de um

direito inalienável do cidadão português residente

no estrangeiro: o direito à aprendizagem da

língua portuguesa.

Este mesmo Colectivo promete fazer tudo o que está ao seu alcance, no sentido de

mobilizar a Comunidade Portuguesa presente em França (pais, alunos e professores)

para que, unidos e solidários, lutemos pelo direito que nos é atribuído pela

Constituição: o direito a aprender o nosso próprio idioma.

2. Esse direito, previsto na Constituição da República (artigo 74º: Assegurar aos

filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa)

tem sido constantemente desrespeitado. Devido a esta política preconceituosa,

o cidadão português residente no estrangeiro vê-se secundarizado e descriminado,

pois o Estado português não cumpre o seu dever e missão. Não há portugueses de

primeira (os que vivem em Portugal) e portugueses de segunda (os que vivem no

estrangeiro). Somos todos portugueses.

3. Assim, a “reestruturação total da rede de ensino do português no estrangeiro”

que o Governo pretende levar a cabo até ao final de 2011 é:

INCONSTITUCIONAL, LESA-CULTURA E LESA PÁTRIA.

4. O Governo decidiu suspender, a partir de Janeiro 2012, a comissão de

serviço a 50 professores na Europa (20 em França). As aulas serão, assim,

abruptamente interrompidas a meio do ano lectivo, deixando sem aulas cerca de

5000 alunos. Esta decisão, se não fosse trágica, seria, no mínimo, cómica, tal é o

irrealismo e a falta de respeito demonstrada pelo Ministério dos Negócios

Estrangeiros. O Governo ameaça com novos despedimentos para o verão.

5. O Governo, a efectuarás esta “reestruturação”, prova de uma vez por todas

não estar à altura do pendor universal e universalista da língua e cultura portuguesas.

A língua portuguesa (a quinta língua mais falada no mundo) não se coaduna

com as mesquinhas e ridículas perspectivas economicistas desenvolvidas por

políticos sem visão de futuro. A língua e a cultura portuguesas são a principal

mais-valia de Portugal e não têm preço.

6. No caso da França, existem já organismos oficiais franceses que se mostraram

chocados e escandalizados com estas medidas do Governo português. As

autoridades francesas mostram-se mais preocupadas com o futuro da língua

portuguesa do que o Governo de Portugal.

7. O “ensino do português como língua materna” deverá sobrepor-se ao “ensino

do português como língua estrangeira”. O ensino da língua portuguesa deverá

estar em pé de igualdade com o ensino da língua oficial do país de residência.

Os nossos filhos deverão ter a oportunidade de falar, pensar e sentir em português.

8. O Ensino do Português no Estrangeiro é o principal vínculo que liga os

lusodescendentes a Portugal. Sem o EPE, Portugal perderá esse pilar e

mocional, ficando, obviamente, ainda mais pobre. Numa perspectiva economicista,

tão cara aos tecnocratas que lideram Portugal, podemos referir que os emigrantes

portugueses enviam para Portugal remessas no valor de dois mil milhões de euros

por ano. Esse filão poderá terminar.

9. O Colectivo para a Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro apela à

mobilização de todos os portugueses contra a “reestruturação” do Ensino do

Português no Estrangeiro. Uma “reestruturação” inconstitucional que ataca as

comunidades e, acima de tudo, a sobrevivência da língua portuguesa no seio

dos milhões de lusodescendentes que existem na Europa e no mundo.

Puteaux, 24 de Novembro de 2011

Os membros do Colectivo para a Defesa do Ensino do Português no Estrangeiro

Ana Silva, professora do EPE

Ana Vicente, professora do EPE

António Fonseca, vice-presidente do Conselho Permanente do CCP

Helena Neves, presidente da ACFPI de Viroflay

Isabelle Gonçalves, presidente da ACP de Courbevoie-La Garenne

Jaime Alves, vice-presidente da AFP do Puteaux

José Afonso, presidente da AFP do Puteaux

José Azevedo, professor do EPE

José Cardina, presidente da CCPF

Júlio Frederico, vice-presidente da Filarmónica de Paris

Kathy de Azevedo, membro da direcção da AFP do Puteaux

Manuel Brito, presidente da ARCOP de Nanterre

Nuno Gomes Garcia, arqueólogo e escritor

Parcídio Peixoto, membro do CCP

Raul Lopes, presidente da APCS Garches

Comentário:

Acabo de ler no "Horizonte Português" aquele manifesto do "Coletivo...": estou de acordo com tudo, menos com o facto de já estarem a aplicar o AO!... Perdem logo metade da credibilidade, pelo menos, ao aceitar em de maneira seguidista e acrítica esta vandalização da língua que dizem pretender defender... Ainda não perceberam que é justamente esta onda de promoção da "internacionalização" da língua portuguesa (entenda-se, na versão do Brasil...), cujo instrumento privilegiado é o AO, que subalterniza a língua materna dos portugueses, os de cá e os de fora?! Na óptica destes iluminados, 15 milhões de portugueses não contam, face aos quase 200 milhões de brasileiros (mesmo que uma boa parte seja praticamente analfabeta e pouco fale português...). E também ainda não perceberam que esta gente que nos governa "despreza" os emigrantes?!...

MJ Abranches

samedi 19 novembre 2011

Carta à Fenprof

Caros colegas,


No seguimento da minha carta de 13 de Outubro último, que suponho tenham recebido, e tendo entretanto lido o “Jornal da FENPROF” n.º 254, de Outubro 2011, permito-me fazer mais algumas observações.

Logo no verso da capa do jornal, aparece um “Esclarecimento sobre a aplicação do acordo ortográfico” [ver recorte] conta da decisão tomada pelo JF nesta matéria:
“i) manter a ortografia antiga para todos os textos assinados que assim nos sejam enviados; ii) adoptar a ortografia aprovada pelo AO para os autores que assim o pretendam; iii) adoptar o AO para os textos não assinados.”

Quanto aos dois primeiros pontos, nada tenho a dizer, excepto que a “ortografia antiga” (já agora, porque não “arcaica”?) continua actual e em vigor, paralelamente à “ortografia moderna” (é a “moda” que comanda a vida, neste país!): segundo a Resolução da Assembleia da República, n.º 35/2008, há seis anos de transição para a aplicação do AO, a contar do depósito do instrumento de ratificação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, o que ocorreu a 13 de Maio de 2009 (Aviso n.º 255/2010, ME).

Quanto ao terceiro ponto, e tendo em conta os seis anos atrás referidos, pergunto: por que razão se apressa a FENPROF a aplicar o AO? Os sindicatos dos professores, tanto quanto sei, não fazem parte do “Governo” nem dos “serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo”, que deverão aplicar o AO, segundo a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, a partir de Janeiro de 2012. Daqui decorre ainda que, contrariamente ao que se afirma no “Esclarecimento…”, esta não é por enquanto a ortografia obrigatória nos “textos oficiais”. É verdade que também o actual governo, no Relatório do OE 2012 aplica antecipadamente o AO: estranha coincidência! Como explica a FENPROF este proselitismo?

No pequeno texto acima referido, diz-se também que a FENPROF continua, “obviamente, a acompanhar, com interesse, o debate sobre esta matéria, aguardando serenamente pelo resultado da Iniciativa Livre (?) de Cidadãos junto da Assembleia da República”.

Antes de mais, queiram, por favor, corrigir o lapso: trata-se de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, D.R. N.º 129 – I Série-A, pp. 3349), um exercício de cidadania corajoso, consciente e responsável, que nos interpela a todos e requer a nossa participação individual. Quanto ao resto da citação, não compreendo a postura de mero espectador assumida aqui pela FENPROF! “Debate” deveria haver, mas quase não há, porque o poder, político e económico (alguns media, designadamente a RTP e algumas editoras) silenciou os que reprovam este AO, pondo a circular uns estereótipos absurdos, para “inglês ver” e repetir: “as línguas evoluem”, “não somos donos da língua”, só os “velhos do Restelo” se opõem (entenda-se: conservadores, antiquados, retrógrados, imobilistas, etc. …)!

Mas o que mais me indigna é que os que têm obrigação de fomentar a discussão aberta e informada, como os professores, se calem e se curvem! O que fez a FENPROF até agora, como a meu ver lhe competia, para promover a informação, a análise e a troca de opiniões que a gravidade deste assunto exige? Há discordâncias entre os responsáveis? Pois seria muito positivo que esse confronto de posições e ideias fosse aberto e alargado à comunidade educativa, para maior esclarecimento e participação de todos nós! Porque a democracia é essencialmente isso: a possibilidade de os cidadãos debaterem abertamente os seus pontos de vista, forçosamente diferentes, de modo a encontrar os consensos possíveis, no respeito pela dignidade de cada um e da comunidade a que pertencem.

Estes apelos que venho repetidamente fazendo à “principal organização sindical de docentes” (M.N.), fi-los também, logo em 2008, à Associação de Professores de Português (APP), que contactei a 9 de Junho, por e-mail, e a quem manifestei a minha viva preocupação, tendo-lhe mandado o meu pequeno estudo “O Novo Acordo Ortográfico, Contributo para uma reflexão necessária”, o mesmo que aliás já enviara à FENPROF.

Recebi esta resposta da APP, a 18.06.2008:
“Cara colega,
Acusamos a recepção da sua mensagem, que agradecemos. Para mais informamos que a Direcção não tomou publicamente uma posição sobre a matéria por se verificar um empate técnico entre os que são violentamente contra e os que são veementemente a favor.
Tendo verificado que não é nossa sócia, aproveitamos a ocasião para lhe enviar em anexo alguma informação acerca da nossa actividade.
Atenciosamente,
A Dir. APP”

Da segunda e última mensagem que então enviei à APP, com data de 26.06.2008, e que ficou sem resposta, destaco:
“Em segundo lugar, esperava que nesta questão, vital para a nossa língua, mais do que ser “violentamente” contra ou “veementemente” a favor, a APP contribuísse objectivamente para a reflexão séria e o esclarecimento aprofundado que a situação exige e de que os professores de Português necessitam.”

Continuo a acreditar que fugir à discussão inerente às questões controversas é prestar um mau serviço à causa da democracia. E é também abrir caminho ao obscurantismo e a todas as prepotências!

Quero ainda salientar um dos aspectos mais nefastos da aplicação em curso deste AO, no ensino: nós, professores, estamos de facto a contribuir para a instauração da confusão generalizada no domínio da ortografia, e a prazo também da própria pronúncia, da nossa língua materna. E isto num país caracterizado por um analfabetismo crónico que, penosamente e com grandes custos financeiros, se tinha vindo a combater nas últimas décadas!

Para terminar, recordo que têm sido notícia, de novo, nos últimos dias, os cortes que o ensino do Português no estrangeiro vai sofrer, devido à contenção orçamental, havendo já largas centenas de alunos sem aulas, por falta de professores. Estas restrições prejudicam sobretudo as comunidades portuguesas residentes no estrangeiro, a quem se retira assim um direito que a nossa Constituição lhes reconhece. O Estado costuma lembrar-se dos emigrantes, quando precisa de dinheiro e de votos, mas empenha-se muito pouco na promoção da dignidade da sua qualidade de cidadãos portugueses, conhecedores da sua língua, da sua história e da sua cultura! Para isto não há dinheiro, porque os nossos responsáveis políticos entendem que a emigração não dá “prestígio internacional”!

Mas há dinheiro do Estado – e não deve ser pouco – para promover o Acordo Ortográfico, apresentado como “um dos fundamentos da Comunidade”(CPLP), e o instrumento incontornável da tão ambicionada “internacionalização” da língua portuguesa (previsivelmente na sua versão “português.br”). Ao serviço desta causa está o Fundo da Língua Portuguesa e as mais variadas iniciativas e diligências do MNE, do Instituto Camões, da Secretaria de Estado da Cultura, do MEC, da RTP, etc. … Um bom exemplo: esse acontecimento editorial que dá pelo nome de “Coleção klássicos”, larga e ricamente publicitado um pouco por toda a parte!…

“Quem não se sente não é filho de boa gente”, diz o ditado: por isso insisto na necessidade de defendermos com convicção a dignidade da nossa língua materna, que esses Clássicos, agora tão maltratados, nos deixaram e pela qual somos responsáveis perante as gerações futuras!

As minhas melhores saudações,


Lagos, 16 de Novembro de 2011

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

vendredi 11 novembre 2011

Carta ao Governo

Carta de Maria José Abranches Gonçalves dos Santos aos membros do governo

Ex.mos Senhores

Primeiro-Ministro do XIX Governo Constitucional

Ministro dos Negócios Estrangeiros

Ministro da Educação, do Ensino Superior e da Ciência

Lagos, 27 de Junho de 2011

Começo por apresentar os meus mais sinceros votos de que, com o actual governo, Portugal encontre definitivamente o seu próprio caminho e o lugar que lhe cabe entre as demais nações democráticas.

Dada a gravidade e o perigo da situação em que a nossa língua se encontra, devido à adopção do Acordo Ortográfico de 1990, cuja aplicação está aceleradamente em curso – desde a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 9 de Dezembro de 2010, atrevo-me, na simples qualidade de cidadã portuguesa e de professora de Português (agora aposentada), a dirigir-me a quem tem responsabilidade e poder para intervir.

Porque as políticas relativas à defesa, ensino e difusão da nossa língua – português de Portugal – estão também a cargo dos dois Ministros acima referidos, a eles igualmente me dirijo, pedindo a V.ª Exc.ª, Senhor Primeiro-Ministro, o favor de lhes transmitir a minha missiva.

Sou desde o início contra este Acordo pretensamente “uniformizador”, que conheço bem, assim como muitos dos pareceres e opiniões de especialistas e intelectuais prestigiados e credíveis que contra ele se têm pronunciado.

Conheço também as várias fases desta já velha guerra entre o Brasil e Portugal em torno da ortografia da língua portuguesa, que data concretamente de 1907 (e não de 1911, como se diz no Anexo II do Acordo), quando a Academia Brasileira de Letras efectuou unilateralmente uma reforma ortográfica tendente à simplificação da ortografia, aproximando-a da “fonética”.

Desde então, todas as tentativas de aproximação entre as duas ortografias têm sido sistematicamente desrespeitadas pelos brasileiros, que consideram – e bem – que a sua soberania passa pelo direito de decidir do modo como devem escrever a sua língua. Foi o que aconteceu inclusive com o Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 1945, que tem estado em vigor entre nós e em todos os restantes países que agora integram a CPLP.

Aliás, penso que não tem importância nenhuma, como não tem tido até agora, que existam diferenças ortográficas entre as duas normas da língua portuguesa. É até vantajosa essa “fronteira visual” que ajuda a distingui-las, já que os menos instruídos poderão não ser sensíveis às diferenças sintácticas e vocabulares que as caracterizam - essas sim determinantes - o que, com as novas tecnologias, pode ter consequências desagregadoras incalculáveis. Basta salientar que em certas funcionalidades do Google, por exemplo, já só é proposta a opção “português.br”. Se é a isto que se chama promover o prestígio da língua portuguesa…?!

Gostava ainda de recordar que foi preciso o recurso astucioso ao Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (CPLP, São Tomé, 25 de Julho de 2004) - onde surpreendentemente se afirma “ser o Acordo Ortográfico um dos fundamentos da Comunidade”, e que permite que três países decidam da ortografia da língua que oito partilham - para que este Acordo pudesse entrar em vigor…

Para concluir esta breve evocação de alguns aspectos importantes do historial do assunto em apreço, permito-me citar o último parágrafo duma análise da questão ortográfica, da autoria de um Professor brasileiro da Universidade de São Paulo:

«Assim, pode-se dizer que grande parte da discussão em torno da ortografia da língua portuguesa – como, de resto, em torno da própria língua – redunda na tentativa de afirmação nacionalista de uma vertente brasileira do idioma, em franca oposição à vertente lusitana.» (in Reforma Ortográfica e nacionalismo lingüístico no Brasil, Maurício Silva (USP): www.filologia.org.br/revista/.../5(15)58-67.html).

A discussão científica, séria e aberta que esta importante questão requer tem vindo a ser negada ao povo português, a quem o Acordo Ortográfico de 1990 está a ser imposto pelo Estado como algo de inelutável e de definitivo, “facto consumado”, nomeadamente com o apoio escandaloso da RTP, serviço público com responsabilidades acrescidas na defesa do nosso património cultural e linguístico, junto da população residente e das nossas comunidades espalhadas pelo mundo.

Mas é o caso do Ministério da Educação o que mais me preocupa, por isso me dirijo muito especialmente ao novo Ministro do sector, em quem deposito uma imensa confiança, pelo que conheço das suas ideias e valores, expressos na obra O ‘Eduquês’ em Discurso Directo – Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista.

A decisão do governo anterior, consubstanciada na Resolução n.º 8/2011, de 9 de Dezembro de 2010, estipulando a entrada em vigor do Acordo no sistema de ensino, no próximo ano lectivo, veio confirmar os meus piores receios. É mesmo o caos sem regresso que se pretende instaurar, é a desautorização definitiva da ortografia da nossa língua que se quer promover junto da juventude do nosso país!

Sintomáticos deste desnorte previsível são já, a meu ver, alguns aspectos inéditos das instruções produzidas pelo GAVE desde há algum tempo e que fazem crer que o Ministério da Educação, que deveria primar pelo rigor, pela integridade e pela transparência, vem perigosamente falando a duas vozes, discordantes. Vejamos alguns exemplos da incompreensível antecipação do GAVE, e de algumas escolas, relativamente à Resolução n.º 8/2011 (D.R., 1.ªsérie – N.º17 – 25 de Janeiro de. 2011) atrás referida:

Exames de 2010 – Prova Escrita de Português – 12º Ano de Escolaridade;

Prova 639/1ª Fase:

“Critérios Gerais de Classificação”: 7º parágrafo:

“Havendo escolas em que os alunos já contactam com as novas regras ortográficas, uma vez que o Acordo Ortográfico de 1990 já foi ratificado e dado que qualquer cidadão, nesta fase de transição, pode optar pela ortografia prevista quer no Acordo de 1945, quer no de 1990, são consideradas correctas, na classificação das provas de exame nacional, as grafias que seguirem o que se encontra previsto em qualquer um destes normativos.”

Informação n.º 01.11 – Data: 2010.11.08

Prova de Exame Nacional de Língua Portuguesa – Prova 22/2011 – 3º Ciclo do Ensino Básico:

Ponto 4. Critérios de classificação - o parágrafo precedente aparece aqui em 4.º lugar.

• Ainda um exemplo que copiei directamente do GAVE (o destaque é meu):

“Acordo Ortográfico – Informação 2011 – 2 de Abril de 2011:

«Acordo Ortográfico - Informação 2011

2 de Abr de 2011

Informação sobre as implicações do Acordo Ortográfico no processo de codificação das provas de aferição e na classificação das provas de exame nacional

O Acordo Ortográfico de 1990 foi ratificado por Portugal em 2008, prevendo-se uma moratória de seis anos para a sua entrada plena em vigor. O Ministério da Educação estabeleceu como data para entrada em vigor do Acordo Ortográfico, nas escolas, o início do ano lectivo 2011-2012.

Havendo escolas em que os alunos já contactam com as novas regras ortográficas, uma vez que o Acordo já foi ratificado e dado que qualquer cidadão, nesta fase de transição, pode optar pela ortografia prevista quer no Acordo de 1945, quer no de 1990, são consideradas correctas, na codificação das provas de aferição e na classificação das provas de exame nacional, as grafias que seguirem o que se encontra previsto em qualquer um destes normativos.

Para esclarecimento de dúvidas relativas à nova ortografia, deve ser consultado o Portal da Língua Portuguesa, www.portaldalinguaportuguesa.org , que disponibiliza o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e o conversor Lince como ferramenta de conversão ortográfica de texto para a nova grafia.»

Observações:

1. - É incorrecta a afirmação destacada no 1.º parágrafo, podendo induzir o público em erro.

1.1. - O A.O. de 1990 foi:

– a) assinado em Lisboa em 16 de Dezembro de 1990, pelos representantes dos países de língua portuguesa (à excepção de Timor-Leste);

- b) aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, em 4 de Junho de 1991;

- c) ratificado pelo Dec. do Presidente da República n.º 43/91, de 23 de Agosto, assinado em 4 de Agosto de 1991 e referendado em 7 de Agosto pelo Ministro da Presidência.

( in D.R. – I Série – A - N.º 193 – 23-8-1991)

- d) rectificado pela Assembleia da República - Rectificação n.º 19/91, de 15 de Outubro de 1991, no tocante a várias “inexactidões” entretanto detectadas no Anexo II, designadamente no “ponto 8”, cujo título foi modificado e a que se acrescentou um “terceiro parágrafo”.

( in D.R. – I Série A – N.º 256 – 7-11-1991)

1.2. Em 2008:

- a) a Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de Maio, “Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em 26 e 27 de Julho de 2004.” (O “Acordo do Segundo Protocolo Modificativo” está publicado em anexo).

- b) No ponto 2 do Artigo 2.º desta Resolução da A. R. diz-se:

No prazo limite de seis anos após o depósito do instrumento de ratificação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo (…) a ortografia constante de novos actos, normas (…) deve conformar-se às disposições do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.”

- c) o Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, de 29 de Julho, assinado em 21 de Julho, e referendado em 22 de Julho, ratifica o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

(in D.R., 1.ª série – N.º 145 – 29 de Julho de 2008)

1.3.Data do “depósito do instrumento de ratificação” do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa:

- a) o Aviso n.º 255/2010, do Ministério dos Negócios Estrangeiros diz explicitamente: “O depósito do respectivo instrumento de ratificação foi efectuado em 13 de Maio 2009, tendo o referido Acordo entrado em vigor para Portugal nesta data.”

N.B.: Este Aviso tem data de 13 de Setembro de 2010 e foi publicado no D.R., 1.ª série – N.º 182 – 17 de Setembro de 2010.

- b) Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, sob a presidência do Primeiro-Ministro José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, com data de 9 de Dezembro de 2010, pode ler-se no 11.º parágrafo:

“Assim, e nos termos do Aviso n.º 255/2010, de 13 de Setembro, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 17 de Setembro de 2010, o Acordo Ortográfico já se encontra em vigor na ordem jurídica interna desde 13 de Maio de 2009.”

(in D.R., 1.ª série N.º 17 – 25 de Janeiro de 2011)

2. De novo, no parágrafo destacado, a referência a escolas que já estarão a aplicar o Acordo de 1990, com a justificação de que “o Acordo já foi ratificado” e “qualquer cidadão, nesta fase de transição, pode optar”… Tendo em conta o que já salientei das datas dos documentos envolvidos e da ausência da discussão e debate imprescindíveis, envolvendo escolas e famílias, é lícito perguntar: é assim que o Ministério da Educação entende ser o garante fiel da estabilidade, da transparência e do rigor que devem marcar a sua actuação, dado que tem nas suas mãos a formação das novas gerações?

No “Público” de sábado passado, 25 de Junho, foi publicada uma “Carta aberta” a VV. EE., que inteiramente subscrevo e agradeço. Este é o meu simples contributo para a mesma causa, com um último apelo: os compromissos desonrosos, é uma honra e um dever não os respeitar. A nossa língua merece e agradece!

Com os meus respeitosos cumprimentos,

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

P.S.: Reservo-me o direito de divulgar esta minha missiva, pelos meios ao meu alcance.


Amor de mel




Onde está o meu amor?

Balduino Cabouqueiro

Dominique Stoenesco

O SANTINHO DAS ALEGRIAS


jeudi 10 novembre 2011

SIMPLE RETOUR


Les BRIC’S, vous connaissez ?

C’est par cet acronyme que l’on désigne les principaux pays émergents : Brésil, Russie, Inde, Chine et South Africa (Afrique du Sud).
On parle souvent, à l’heure actuelle, de globalisation, de mondialisation et même d’asiatisation. Pourquoi ? Il y a quelques décennies, dans un film intitulé « Les dieux sont tombés sur la tête », un indigène en pleine brousse africaine, voyait tomber à ses pieds une bouteille de ‘coca-cola’, en même temps qu’un avion s’éloignait dans le ciel vers l’horizon. Et tout le film montre notre héros à essayer de comprendre le signe que les dieux du ciel lui avaient envoyé. Tout en restant dans l’ignorance que des bouteilles comme celle-là, envahissaient le monde entier, par milliards, comme d’autres Pepsy, Mac-Do, Microsoft, Whisky, séries américaines, et tout cela en langue anglaise.
Depuis la ‘Perestroïka’ de Mikhaïl Gorbatchev et du démantèlement du bloc soviétique, le monde appartenait à l’Amérique triomphante. Mais depuis une dizaine d’années, de nouvelles entités : les BRICS, émergent à vue d’œil, du fin fond de l’âge de la pierre, selon ce que veulent nous faire croire les mauvaises langues occidentales, mais détrompons-nous, ne nous y laissons pas piéger.
Prenons par exemple l’Inde et la Chine : à toutes les deux, leur population équivaut à 240 fois celle du Portugal, et elles ont dominé le monde depuis bien avant l’avènement chrétien. 500 ans avant notre ère, le Bouddha en Inde ainsi que Lao-Tseu et Confucius en Chine, ont crée le processus identitaire de deux grandes civilisations et de deux grands ateliers du monde. Il y a 2000 ans, la Chine maîtrisait déjà la fabrication et la cuisson de la porcelaine, alors que 15 siècles plus tard, les européens mangeaient encore dans des écuelles en terre cuite. Idem pour la métallurgie et notamment l’industrie du fer (500 ans av. JC.) ; les explosifs, le papier, les techniques agricoles de masse, la joaillerie, les arts et l’artisanat en général, mais surtout l’exploitation de la soie. Dans tout cela, comptez de 500 à 1000 ans d’avance par rapport à l’Europe. On peut comprendre mieux en sachant que la Mésopotamie (une grande partie de l’Iraq actuel) a été, 5000 ans avant JC. Le berceau de toutes les civilisations, avec son organisation sociale en villages d’agriculteurs, des techniques agricoles par systèmes d’irrigation, les arts et surtout l’invention et le développement de l’écriture, qui se sont propagées vers l’Egypte, la vallée de l’Indus et la Chine.
L’Inde était, à l’époque de la Renaissance en Europe, le principal moteur de l’économie mondial, constituée, en plus de l’Inde actuel, du Pakistan d’un côté, du Bangladesh de l’autre, ainsi que d’une partie de l’Afghanistan, et forte de 150 millions d’habitants. Ses techniques dans le travail de la soie, de l’orfèvrerie, du sertissage, des émaux, du cuir pour la cavalerie, étaient à l’apogée. Ses fondeurs en bronze, cuivre et fer étaient réputés et respectés dans toute l’Asie. Quand Vasco da Gama, et plus tard Pedro Alvares Cabral, suivis d’autres ‘grands’ européens arrivèrent en Inde, ils se sont sentit comme des enfants éblouis dans une boutique de bonbons, tellement s’étalait la finesse, la beauté et la richesse des choses et des marchandises. Eux qui y sont arrivés avec des peaux et autres babioles pour faire du troc, s’entendaient répondre à peu près ceci : « Qu’est-ce que vous voulez qu’on en foute de ça !?... Rapportez-nous plutôt de l’or, de l’argent et des pierres précieuses et nous vous en fabriquerons de belles choses ». Et c’est ce que les européens ont fait : un tiers de ces métaux nobles et pierreries volées aux civilisations d’Amérique du Sud, ou arrachées par l’esclavage dans les mines du haut Sénégal, en Côte d’Or, au Zimbabwe, c'est-à-dire par centaines de tonnes, sont reparties en Inde et en Chine pour payer des épices exotiques, et habiller ces messires et nobles dames des cours européennes, bien pauvres et démodés par rapport à l’Asie.
Hélas !... Au début du 18ème siècle, l’arrivée en force des ‘compagnies’ européennes, surtout anglaises, bien décidées à mettre la patte sur ces richesses et savoir faire, ont fait basculer cet ensemble millénaire, dans la plantation forcée d’opium, de coton et dans la ruine, jusqu’à ce que le grand Gandhi arrive. C’est encore à partir de ce siècle, soit disant des ‘Lumières’ et du début de l’industrialisation, l’Europe armée et instruite de tous les savoirs, grappillés aux quatre coins du monde, depuis la Renaissance, que ce soit an Asie pour l’évolution technologique ; en Afrique pour la richesse du sol, du sous-sol et de ses esclaves, ainsi qu’en Amérique du Sud pour ses trésors et ses mines, repartit donc, à la conquête de la planète. Mais depuis deux décennies, notre monde a complètement chamboulé de nouveau, dans un espace temps très court : La fin de l’’apartheid’ en Afrique du Sud ; les réformes de Deng Xiaoping en Chine et de Manmohan Singh en Inde ; Poutine en Russie, avec ses atouts énergétiques (et ses mafias) ; le dynamisme de Lula et de l’agro-alimentaire brésilien ; d’un autre côté, les leçons d’humilité ?... de l’Amérique au Vietnam, en Iraq, en Afghanistan, ont remis en mouvement une réinitialisation de la place de l’Asie dans le monde. Aujourd’hui ce sont eux qui ont l’argent et le pouvoir de venir faire des emplettes en Europe. Selon une étude du Pew Research Center en 2011 : 87% des chinois ont confiance dans l’avenir, comme 50% des brésiliens, contre seulement 30% des américains et… 26% des français, (sans commentaire). Il nous reste, bien entendu, certaines valeurs dont nous pouvons, pour un certain temps encore, en retirer quelque fierté : la pratique de la démocratie,
et la mise à disposition de chacun, des savoirs nécessaires pour faire évoluer son projet d’expression et réalisation personnelle. Mais l’Asie aussi, nous a transmit, et surtout aujourd’hui, des formes de spiritualité haut de gamme, basées sur le détachement du matérialisme maladif ; la recherche de l’harmonie de nos propres énergies ; l’appropriation personnelle d’une transcendance non dogmatique, etc. Il y a une légende en Inde qui raconte qu’Alexandre le Grand, y est allé à la recherche d’un sage très connu. L’ayant trouvé dans un recoin de montagne, il lui dit : « Mon ami, je suis un grand roi, que puis-je faire pour toi ? » et le vieux sage de lui répondre : « Tu me caches la lumière du Soleil, écarte-toi un peu, c’est tout ce que je te demande. » C’est un peu cela la spiritualité en Inde.
Aujourd’hui, heureusement, de plus en plus d’historiens se soucient d’éclairer d’un regard nouveau, l’Histoire humaine, replacée dans ses contextes géographiques et temporels et relue sur place, au lieu de celle, apprise dans notre enfance, qui nous expliquait que l’Europe était le centre du monde, et qu’autour ne régnait que l’obscurité, l’ignorance et la misère. Cela ne veut
nullement dire que tout était, ou est parfait, dans les autres continents, mais, qui peut admettre actuellement, que le notre est ou a été un phare d’exemplarité ? En tout cas, il n’est jamais trop tard, pour tous ceux qui veulent garder les yeux et l’esprit ouverts, de s’habituer à une relecture plus contemporaine de l’Histoire des peuples, et de constater par là même, que nous, européens, avons bien plus reçu que donné.
Par Henri de Carvalho, 6/11/2011

Sources : Réseau Asie & Pacific

mercredi 9 novembre 2011

Singularidades da nossa História

Há duzentos anos, a 27 de Setembro de 1810, o exército francês, pela terceira vez invasor, agora sob o comando de Masséna, era derrotado na batalha do Buçaco pelas forças aliadas anglo-portuguesas, comandadas por Wellesley. Era o princípio do fim das invasões francesas, iniciadas em Novembro de 1807, em território nacional. Mas apesar da derrota dos exércitos napoleónicos, a situação de Portugal manteve-se por longo tempo extremamente precária. Enquanto o continente, devastado e exangue, permanecia sob o jugo dos nossos “aliados” britânicos e se debatia com uma grave crise política, económica e financeira, a família real e a corte, dilapidando sem contar o erário público, continuavam no Brasil, para onde tinham fugido.
Recorde-se que, contrariamente aos outros monarcas europeus que Napoleão pusera em perigo, a família real portuguesa se refugiou numa das suas colónias, num continente afastado, o que significava uma longa e imprevisível travessia do Atlântico. Recorde-se ainda que com a família real, a corte, o governo, os funcionários, respectivos familiares e outros – foram cerca de 10.000 os que em 1807 abandonaram o país – seguiu para o Rio de Janeiro o tesouro real, milhares de documentos, livros e toda a sorte de objectos valiosos. Tudo sob escolta britânica, já que a Inglaterra era favorável a esta opção de que veio a tirar grande proveito.

Convém salientar que esta opção americana tinha já raízes antigas e defensores eminentes. O Padre António Vieira, no reinado de D. João IV, sonhara fazer do Brasil a sede do Quinto Império, e esta ideia de assim deslocar o centro do reino, menosprezando o velho Portugal – a mais antiga nação europeia – permaneceu viva, sendo depois retomada no tempo de D. João V e de novo pouco antes de o futuro D. João VI assumir a regência do reino. Com efeito, em 1798, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que viria a “dirigir o novo governo de D. João no Rio”, num discurso proferido na corte, disse “que «os domínios na Europa» já não eram «a capital e centro do Império Português». Reduzido a si mesmo, concluía, Portugal em breve seria «uma província de Espanha».” [1]

As singularidades da nossa História não se limitaram contudo à fuga da corte para o Brasil. Este facto significou também um desenvolvimento e um prestígio consideráveis para a colónia privilegiada, a ponto de, em 1815, ser equiparada à metrópole, com a publicação de uma Carta de Lei instituindo o “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”. Mais, em 1817, é para o Brasil que viaja D. Leopoldina, arquiduquesa da Áustria, filha de Francisco I, para aí confirmar a cerimónia do seu casamento com D. Pedro, herdeiro do trono português. É ainda no Rio que terá lugar a aclamação de D. João VI, em 1818, dois anos após a morte de sua mãe, D. Maria I. Finalmente, pouco depois de, a 4 de Julho de 1821, D. João VI, embora contrariado, se ter visto obrigado pelas circunstâncias a regressar a Portugal, é o próprio herdeiro do trono português, D. Pedro, que proclama a Independência do Brasil, a 7 de Setembro de 1822, sendo pouco depois aclamado imperador, a 12 de Outubro. Mas estas singularidades da nossa relação histórica com o Brasil ainda não se esgotaram. Os saudosos da vastidão, do prestígio e das riquezas fáceis do Império perdido descobriram agora que a língua portuguesa é o último continente a explorar e de novo se voltam para o Brasil onde julgam ter encontrado a solução. Assim, com o Acordo Ortográfico de 1990 – que tem vindo a ser defendido e insidiosamente imposto por intelectuais, políticos e media portugueses, que se comportam como “os donos da língua” e se mantêm surdos aos protestos dos seus mais conceituados concidadãos - Portugal, que levou a sua língua a todo o planeta, opta por abdicar da sua própria ortografia, para adoptar, no essencial, a ortografia brasileira. A justificação apresentada para tal é a necessidade imperiosa de envolver o Brasil na “internacionalização” do português, o que significa, de facto, promover a norma brasileira, aliás marcada por arcaísmos que na sua evolução o português europeu abandonou. Deste modo, por incúria, ignorância, preguiça e falta do sentido da própria dignidade, estamos prestes a entregar ao Brasil o destino da nossa língua, o português de Portugal, com todas as consequências nefastas, facilmente previsíveis, que daí advirão. Se o país continuar a não reagir e se a conspiração do silêncio e a auto-censura instaurada nos media continuar a impedir a expressão das vozes discordantes e o debate aberto e sério que se impõe, seremos mais uma vez “o único país europeu” nesta ridícula e suicida situação. Abro aqui um pequeno parêntese para recordar que o português, uma das línguas românicas da Europa, derivadas do latim que o Império Romano trouxe às regiões que estiveram sob o seu domínio, surgiu, desenvolveu-se e cresceu acompanhando a história da formação do próprio reino de Portugal, cujo território se estendeu até ao Algarve aquando da conquista de Faro, Albufeira, Porches e Silves, em 1249, por D. Afonso III. “A individualidade da língua portuguesa começou a desenhar-se no domínio do léxico e pode remeter-se para uma data próxima do século VI. (…) Os dois primeiros textos escritos em português – a «Notícia de Torto» e o «Testamento» de D. Afonso II – datam de 1214-1216.”[2]

A partir da conquista de Ceuta, em 1415, Portugal sai do espaço europeu e lança-se na longa e arrojada epopeia dos Descobrimentos, que espalhará o português pelos vários continentes. A nossa língua, “em finais do século XVI e durante o século XVII, além de ser falada na América (Brasil), era também utilizada como língua geral do litoral africano e como língua franca (indo-português e malaio-português conforme as regiões) nos portos da Índia e do sudeste da Ásia. Europeus e asiáticos comunicavam em português em extensas regiões da Índia que incluíam Goa, Damão, Diu e Ceilão, em Malaca, nas ilhas de Samatra e Java (antiga Batávia) e na ilha de Timor. No Japão, Tailândia (antigo Sião) e na China também a língua portuguesa serviu nas relações políticas, comerciais e religiosas.”[3]

Desta extraordinária aventura resultou que a língua portuguesa ainda hoje perdura, como língua materna, em Portugal e no Brasil e como língua oficial em Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor-Leste, os países da CPLP, e ainda em Macau. Falta acrescentar as importantes comunidades de emigrantes disseminadas pelo vasto mundo e algumas bolsas de pequenos grupos sociais que resistem, como se verifica em Goa, por exemplo.

Em todos estes países e regiões, com excepção do Brasil, a norma padrão adoptada como referência foi sempre a do português europeu, estando em vigor a ortografia consagrada pelo Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 1945 – que o Brasil não respeitou – mais as pequenas alterações de 1973. O novo Acordo e as negociações conduzidas pelos seus defensores estão em vias de subverter totalmente esta situação que tem raízes históricas evidentes e irrefutáveis. De qualquer modo, somos todos povos soberanos e independentes e cabe a cada um de nós escolher o seu destino.

Vale a pena evocar algumas declarações dos defensores do novo Acordo Ortográfico, por recordarem as dos conselheiros da corte referenciados acima, no terceiro parágrafo, defendendo a transferência do governo do reino para o Brasil.

Começo pelo actual Embaixador português em França, antigo embaixador de Portugal em Brasília: «Seixas da Costa diz que a língua portuguesa não tem futuro “sem uma relação frutuosa entre Portugal e Brasil e sem uma política de articulação entre os dois países”. (…) Esta deve ser “uma acção conjunta em que todos nós temos que nos empenhar para a projecção do português”, diz o embaixador, que acrescenta que o Acordo Ortográfico serve para “diminuir as diferenças para uma acção conjunta e o empenhamento conjunto dos países”.» [4]

O anterior Ministro da Cultura, Pinto Ribeiro, em entrevista ao ”Público” (04/02/2009), como justificação para o que chama “universalização ortográfica” declarou: “Nós afirmamo-nos enquanto identidade e enquanto povo através da língua que falamos e da expansão que demos a essa língua. Neste momento, o número de falantes do português andará pelos 230, 240, 250 milhões. Mas desses 250 milhões, 200 milhões são brasileiros. E eles eram apenas 70 milhões em 1960. De 1960 para 2008 triplicaram, e isso significa fazer 130 milhões de falantes do português, mais do que nós fizemos em todo o nosso passado.”

A mesma individualidade teria dito (“Público”, 19.03.2008) que a inoperância da Academia das Ciências, ”nunca permitiu a fixação da língua portuguesa num dicionário”, contrariamente ao que aconteceu em França ou em Espanha. “Não tendo Portugal criado um estudo normativo, vemo-nos forçados a criar leis.”

Rui Tavares disse no “Público” de 9/6/2008: “Porque é a estratégia correcta, e tão simples, que se resume numa frase: consiste em envolver o Brasil num esforço colectivo de promoção da língua, em que cada país lusófono conta institucionalmente o mesmo.”

Para não me alongar mais nas citações, recordo apenas Carlos Reis, num texto intitulado “Rápido no gatilho” (“Público, 30/05/2008), em que, falando do seu “optimismo moderado quanto ao potencial do português, no que à sua afirmação internacional diz respeito”, rejeita o “triunfalismo” baseado nos “milhões de falantes” e acrescenta: “Tão excessivo como aquele triunfalismo só conheço o bafiento nacionalismo ortográfico dos derradeiros gauleses que gostariam de manter o português encerrado na aldeia remota em que ele nasceu.”

Em conclusão, no século XIX, como vimos, Portugal esteve em risco de desaparecer, mas soube resistir e sobreviveu, mesmo tendo perdido o Brasil. Está agora nas nossas mãos – de cada um de nós – impor a opção que nos dignifica e respeita a nossa identidade, a nossa História e a língua que herdámos dos antepassados e temos a obrigação inalienável de transmitir, na sua integridade, e se possível mais rica e mais bela, aos nossos descendentes próximos e futuros: recusemos por todos os meios este vergonhoso Acordo Ortográfico!

Maria José Abranches

Professora aposentada do Ensino Secundário (Português e Francês)

Ex-Leitora na Universidade de Paris III



[1] Patrick Wilcken, “Império à deriva – a corte portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821”, Civilização Editora, 11ª edição, Fev. 2008

[2] “Gramática da Língua Portuguesa”, Maria Helena Mira Mateus e outras, Ed. Caminho, 1989

[3] ibidem

[4] in “Público”, 16/03/ 2010